Parte 2 de 4 do roteiro de curtametragem Achados e perdidos do amor

De Rafa Lima

Inscrição na tela: Euforia
4. Externa. Barraca de cachorro-quente. Madrugada.
MARINA e NICOLAS estão comendo cachorro-quente.
NICOLAS – Quem diria que no nosso primeiro encontro a gente acabaria comendo cachorro-quente de madrugada no meio da rua?
MARINA – Eu gostei. Não sou daquele tipo de mulher mimada que só se preocupa com status e que vive para ostentar o que tem para os outros. Eu prefiro oferecer sorrisos e receber em troca a felicidade das pessoas com quem me importo.
NICOLAS sorri por alguns segundos.
MARINA – Viu só? É disto que estou falando.
NICOLAS – Você é linda, Marina! Não faz idéia de como a sua companhia faz de mim uma pessoa melhor.

Inscrição na tela: Força
5. Interna. Apartamento de Michel. Manhã.
MICHEL está sozinho em seu apartamento, sem camisa, diante do espelho da porta do armário, exercitando-se com pesos. Pára de repente e fica encarando a própria imagem refletida.
MICHEL – Será que eu preciso tanto assim da aceitação das outras pessoas? (C
lose na imagem no espelho) O que você me diz?

Inscrição na tela: Diversão
6. Interna. Um apartamento de sala grande. Noite.
Uma festa. Cerca de vinte jovens estão reunidos, cantando, bebendo e dançando. Música barulhenta. MARINA e NICOLAS estão em um canto, enquanto MICHEL está sozinho do outro lado.
MARINA – Estou tão feliz!
NICOLAS – (
Seco) Você está bêbada! Vou ao banheiro.
MARINA percebe MICHEL à distância. Ele olha para ela com insistência. Close no olhar dele. Ela sorri encabulada e desvia o olhar. Ele começa a se aproximar, mas pára quando NICOLAS retorna. Começa a tocar uma música de sucesso que potencializa a loucura das pessoas, levando-as a gritar, pular e dançar freneticamente. No meio da música, acontece um blecaute. Por alguns instantes, ficam todos sem reação no escuro. Logo, em meio à escuridão, as pessoas começam a cantar a música novamente como se nada lhes pudesse estragar a felicidade.
Continua na parte 3

O sentimento nos trouxe de volta!

O futebol carioca unido é muito mais forte! Parabéns às torcidas da cidade maravilhosa pelo espetáculo que têm apresentado nos estádios.
Eu amo o Rio de Janeiro, é bom demais ser carioca.

Veja filmes de Darren Arenofsky, leia Nelson Rodrigues, ouça Chico Science e Nação Zumbi, faça sexo com cuidados básicos, volte sempre ao
Fantástico mundo do Rafa!

Enquanto isso em PESSOINHAS


Parte 1 de 4 do roteiro de curtametragem Achados e perdidos do amor

De Rafa Lima

Créditos iniciais.


Inscrição na tela: Alegria

1. Interna. Quarto de Marina. Noite.

MARINA e AMIGA estão no quarto. A AMIGA está sentada diante de um computador e permanece hipnotizada diante da tela do aparelho por toda a cena. MARINA procura insistentemente algo no chão. Finalmente, encontra.
MARINA – (Elétrica) Achei!!! Achei o brinco que a minha avó me deu. Eu estava procurando há mais de um mês. Que bom! Que bom! Como é maravilhoso quando a gente se sente tão bem com uma coisinha simples como esta, não é mesmo?
Não há resposta.

Inscrição na tela: Incerteza
2. Interna. Quarto de Nicolas. Noite.
NICOLAS está falando ao telefone, sentado diante de uma parede branca. Sobre ele estão sendo projetadas continuamente imagens aleatórias de jovens de diferentes povos e cenas marcantes do mundo atual. Close em NICOLAS.
NICOLAS – (Angustiado) Eu me sinto perdido. A cada dia que passa, tenho menos idéia do que estou fazendo neste mundo. Não tenho problemas, mas também não tenho talento. Estou com quase trinta anos e não passo de um morto-vivo. Se ao menos eu soubesse para que sirvo!

Inscrição na tela: Desilusão
3. Externa. Uma movimentada avenida tipicamente urbana. Noite.
Imagens de caos urbano com texto em off de MICHEL. Close em MICHEL. Prédios iluminados. Pessoas caminhando apressadamente. Cores e luzes da cidade. Carros, ônibus e motos. Uma menina de cabelo colorido. Uma senhora idosa sob o olhar de um marginal. Cartazes de propaganda. Vitrines de lojas com preços de produtos. Um grupo de pessoas vestidas da mesma forma. MICHEL parado no meio da loucura da cidade.
Texto em off de MICHEL – O que é o jovem do século vinte e um? É um ser que busca os seus sonhos? Ou será que ele quer transformar o mundo? Mas como se vivemos na superfície de nós mesmos? Mas de que jeito se temos medo de sentir? Como é possível não se tornar uma peça do mecanismo do sistema dominante sem se machucar? Não é por acaso que nós, jovens do século vinte e um, em maioria, somos animais acomodados que só se preocupam com os próprios privilégios e regalias! A vida real nos oferece uma perspectiva nada atraente. Ninguém quer ser parte da multidão mecânica de pessoas sem rosto que se locomove de um lado a outro, fingindo que vive. Será que o jovem do século vinte e um é capaz de reaprender a sonhar?
MICHEL caminha pela rua e encontra um MENDIGO.
MENDIGO – Me arruma um trocado, irmãozinho?
MICHEL – Eu só tenho a oferecer um pedaço do meu espírito. Que tal um bate-papo para afastar a solidão?
MENDIGO – (Surpreso) Você não é desses malucos que bota fogo em mendingo, não, né?
MICHEL – Eu sou do tipo de maluco que quer fazer bem às pessoas.
MENDIGO – (Cordial) Então, pode tomar um gole da minha branquinha, porque papo é comigo mesmo.

Continua na parte 2

O sentimento nos trouxe de volta!
O futebol carioca unido é muito mais forte! Parabéns às torcidas da cidade maravilhosa pelo espetáculo que têm apresentado nos estádios.


Eu amo o Rio de Janeiro, é bom demais ser carioca.

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Parte 4 de 4 (Final) do conto O premiado

De Rafa Lima

“Eu as invejo. Que firmeza de sentido!”, sussurra.
“Como é possível?”, ela o surpreende.
“Fernanda do céu! Não estou interessado em um ataque cardíaco”.
“Não mude de assunto. Como é possível que você inveje duas freiras? Ficou doido? Você é um dos maiores criadores desse país. Por que invejaria uma fé baseada na ignorância e na cegueira das pessoas que se sustenta através dos séculos com uma mitologia que se repete ad infinitum?”.
O diretor ri de modo singelo ao perceber que a declaração inflamara o espírito da atriz.
“De que me adiantam tanto glamour e tantas idéias originais? Talvez eu esteja interessado em uma vida menos complexa. Talvez eu

deseje uma vidinha bem simples. Quem sabe, casa, mulher, filhos, rotina, passeios no zoológico, filmes arrasa-quarteirão na tarde de domingo?”.
“Mas pelo que li a seu respeito você sempre rejeitou quase todas essas coisas! Está pensando em abandonar o meio cultural? Quem seria a sua mulher?”.
Heleno pensa a contragosto na ex-esposa Ella Benarrivo, que o trocou por um juvenil astro do Rock, também premiada pela atuação como filha do deputado no filme. Não quer pensar nela, ato defensivo, mergulha em uma memória afetiva, em certas tardes, em vez de almoçar, Ella e ele faziam amor por horas e depois esgotados adormeciam. Ao despertar estavam cegos! Ao menos era o que parecia, pois a noite chegara, envolvendo-os com tamanha escuridão que destoava da felicidade do momento, Ella se erguia, reclamando, “sempre eu, sempre eu que levanto”, e acendia a luz do quarto, sim, sim, ainda videntes, ainda nus. A felicidade a dois se perde no momento do ato para ser descoberta para valer muito tempo depois, in memoriam. Heleno está fodido, artista premiado de coração partido, ho, ho, ho, hi, hi, hi, ha, ha, ha, “se Ella não se separar rapidinho, rapidinho do pirralho, espero que morram em algum acidente!”.
“Ei, Heleno, ainda estou aqui!”, chacoalha-o Fernanda. “Responda!”.
“Nada disso realmente importa. Apenas tive um momento de epifania, quando avistei as freiras”.
“Momento de quê?”.
“Existem obras de arte que de tão espetaculares ridicularizam e confundem o próprio autor”.
“Sente-se assim agora?”.
“Na verdade, só queria que os meus filmes fossem vistos e desejados por pessoas como aquelas freirinhas”.
“Oh, vem cá, meu amor, vem cá! Você é um homem e tanto”.
De repente, um odor invasivo de fritura toma o olfato do diretor, afastando-o da catequese sonhadora. A arte, também asquerosa e atraente, impregna o ambiente tanto quanto, quem sabe ainda mais, “a arte está para o sonho assim como a fritura está para a carne exposta ao óleo quente na frigideira”.
“Que história maravilhosa estaremos perdendo, Fernanda?”.
“O que quer dizer, querido?”.
“De onde vem esse cheiro?”.
“Não estou sentindo nada”.
“Quem estará fritando bifes no oitavo andar de um hotel às seis horas da manhã?”.

Fim


O sentimento nos trouxe de volta!
O futebol carioca unido é muito mais forte! Parabéns às torcidas da cidade maravilhosa pelo espetáculo que têm apresentado nos estádios.
Eu amo o Rio de Janeiro, é bom demais ser carioca.

Veja filmes de Akira Kurosawa, leia Lewis Carroll, ouça John Willians, faça sexo com cuidados básicos, volte sempre ao Fantástico mundo do Rafa!


Parte 3 de 4 do conto-continuação O premiado

De Rafa Lima

“Não vai dormir, Fernanda? Pensei que estivesse cansada da premiação, da festa, de todo aquele circo”. “Fiquei tão animada com o nosso encontro que não consegui dormir, a premiação, o seu prêmio de melhor diretor, a festa, a nossa primeira noite juntos, são muitos eventos sensacionais para uma noite apenas. Como não consegui relaxar a mente, vi que havia uma cópia do seu filme em cima do vídeo digital do hotel. Vai entregar para algum produtor, não vai? Resolvi assistir de novo à abertura. É incrível, Heleno. O ritmo da cena, a edição, o texto, o ator, que performance!, a utilização da imagem para fazer o espectador assumir o papel do deputado em alguns instantes, os silêncios, o tédio existencial diante do sofrimento extremo, como é possível?, é tudo incrível, Heleno! A cena tinha mesmo que ser em preto-e-branco, está certíssimo! Você é um mestre do vazio e trabalha a imagem sem arrogância intelectual”. “Obrigado, Fernanda. Além de atriz, você tem potencial para crítica baba-ovo”. O silêncio grita de tanto constrangimento. “Desculpe! Não quis ofendê-la, mas chega de elogios, por favor. Não fico à vontade. Me sinto um mentiroso, quando me elogiam com tanto exagero”. “Que tal uns beijinhos, então?”. “Obrigado, Fernanda, mas agora preciso de espaço, tenho que pensar um pouco”. “O que quer dizer com pensar?”. Heleno não responde. Ele observa o troféu recebido que se encontra sobre o criado-mudo. O olhar ultrapassa a matéria e vai longe, além do quarto, chegando ao sótão onde se guardam pensamentos fora de uso. “Ainda bem que nunca voltei para a terapia. Revelar-se diante de um psicanalista significa a busca por uma nova infância, porque o silêncio do analista assume às vezes ares de um simulacro do primeiro vazio causado pelo pai ou pela mãe. Queremos ser premiados pelo mundo numa euforia neurastênica para esquecermos por alguns instantes de que as nossas perdas têm o poder de se mostrar muito maiores do que somos, quando estamos frágeis. Saturno devorando os próprios deuses-filhos”. “O que você está pensando tanto, querido?”. “Nada de importante. De repente, fiquei melancólico”. “Quer que eu vá para o meu hotel?”. “Não precisa. Vamos tomar o café-da-manhã juntos daqui a pouco. O restaurante do hotel abre às sete”. “A que horas é o seu vôo para o Rio de Janeiro?”. “Às cinco da tarde”. “O meu para Sampa está marcado para as três horas”. “Dá tempo de sobra”. “Que bom que você é um homem carinhoso, Heleno. Espero que a gente se reencontre logo”. Heleno observa Fernanda por alguns instantes. A moça vinte anos mais jovem do que ele está deslumbrada com a mecânica da indústria cultural, natural!, a arte intoxica mas não mata, entretanto, a atriz ainda não sentiu a mão da desesperança lhe tocar o ombro, “tudo a seu tempo”. Provavelmente, primeira e última vez juntos, nus, excitados e dispostos sobre uma mesma cama, “muitos adeuses para uma mesma vida”. Heleno se levanta e caminha em direção à varanda do quarto. O relógio marca 5h43 da manhã. Oito andares abaixo, ele avista duas freiras que caminham lado a lado a passos lentos. “Eu as invejo. Que firmeza de sentido!”, sussurra. “Como é possível?”, ela o surpreende.

Continua na espetacular parte final


O sentimento não pode parar!

O futebol carioca precisa se unir, reestruturar, retomar a sua força, é uma pena que Botafogo e Fluminense estejam nessa situação e que
o Vasco tenha tido que tombar para lembrar que é gigante. O Flamengo se orgulha em ser o menos pior? É o bastante? Lembrem da história desses clubes! Associem-se, votem e pressionem as diretorias. Cariocas, uni-vos!

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Parte 2 de 4 do conto-continuação O premiado

De Rafa Lima

... sou um enforcado moral, mas ainda me pergunto qual será a substância que vossa excelência mandou injetar em meu cacete para produzir tal ereção?, ahhhhhhh!, não, não faço mais perguntas, prometo, veja, excelência, até agora os meus membros me agüentaram equilibrado sobre a grama e deitado de costas no ar, nunca fiz exercícios de ponte na vida, mas os braços e as pernas começaram a tremer, vou cair no chão em breve, excelência, e aí o que vai ser de mim?, por favor, meu padrinho, me perdoe, já tive dor suficiente, já aprendi a minha lição, a moral é sempre mais importante do que o desejo humano, a moral é o bem maior que precisa ser conservado, não importam os meios, ou seja, se for fazer algo que corrompa a moral social que faça bem feito, por favor, excelência, me liberte!, não enforque o meu pau!, eu não rompi o hímen dela, pode levá-la ao ginecologista para comprovar, não sangrou, deputado, não sangrou, de vez em quando acontece, chama-se hímen complacente, vossa filha ainda tem o direito de ser uma noiva consagrada, como não se interessa por detalhes clínicos?, me liberte, não, excelência, não sei o que é isso, laranja?, nunca ouvi falar, laranja?, só conheço a fruta, não estou familiarizado com o termo, onde estão?, claro que eu gostaria de ser o vosso sócio, excelência, sempre confiei em vossa excelência, meu padrinho, onde estão os papéis?, deixe-me ver, me solte e fazemos negócio, ahhh!, está bem, me dê aqui, só me deixe ler por um instante, ahhhh!, está bem, eu assino, mande o vosso segurança me ajudar, preciso de apoio para escrever, ah, ah, ah, ahhh!, fique parado!, fique parado!, ah, ah, pronto, excelência, aqui estão os papéis, aqui estão os papéis, ah, que alívio, ah, ah, que alívio, sim, estou ciente de que tenho que manter segredo, sim, bico calado, senão estou morto, é claro, é claro, sim, eu paro de repetir tudo o que vossa excelência está dizendo, obrigado, deputado, obrigado, não vai se arrepender, meu padrinho, não vai se arrepender.
Surge na tela do aparelho de televisão do quarto de hotel a inscrição Ensaio perverso sobre o tédio ao som de um samba pré-histórico e delicioso. Heleno Fontenelle desperta de um sono inquieto e percebe os créditos iniciais do filme de própria autoria e direção.
“Acordou, melhor diretor do país?”, questiona a garota.
“O quê? Quem é você?”, ele pensa em ato imediato, mas logo retoma o controle da memória e reconhece a mulher ruiva só de calcinha, de seios estrábicos e desejáveis, que sorri para o diretor em sinal de respeito como se esperasse do homem descabelado um ato de genialidade a qualquer momento.
“Não vai dormir, Fernanda? Pensei que estivesse cansada da premiação, da festa, de todo aquele circo”.

Continua...

O sentimento não pode parar!

O futebol carioca precisa se unir, reestruturar, retomar a sua força, é uma pena que Botafogo e Fluminense estejam nessa situação e que o Vasco tenha tido que tombar para lembrar que é gigante. O Flamengo se orgulha em ser o menos pior? É o bastante? Lembrem da história desses clubes! Associem-se, votem e pressionem as diretorias. Cariocas, uni-vos!

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Parte 1 de 4 do conto-continuação O premiado

De Rafa Lima

Existem obras de arte que de tão espetaculares ridicularizam e confundem o próprio autor.
Vossa excelência está puta da vida, perdão!, não puxe a corda, puto da vida!, puto da vida!, vossa excelência está puto da vida porque comi a vossa filha de dezesseis anos, mas deveria ouvir a opinião dela, é uma menina muito inteligente, ahhhh!, devagar, devagar, excelência, por favor!, eu entendo a vossa raiva, juro que entendo, eu não passo de um vagabundo eletrônico do século 21, um sem futuro, um sonhador, um criado-por-avó, alguém que jamais deveria ter chegado perto de Elizabeth, ahhhhhh!, por favor, excelência, peço clemência, não digo mais o nome dela, prometo, dessa boca imunda vossa excelência não ouvirá mais mácula qualquer sobre o símbolo maior do batismo cristão de vossa honrada filha, mas só estou cumprindo vossas ordens, deputado, pagando os meus pecados, eu também rezo, excelência, rezo com devoção, estou arrependido, como bom cristão estou arrependido, ahhhh!, que verdade, excelência, não puxe a corda de novo, excelência, ahhhh!, está bem, eu confesso, eu confesso, eu não me arrependi, sim, sim, faria tudo outra vez, como assim: “Por quê?”, excelência?, não, não sou idiota, excelência, só estou confuso, está bem, está bem, está bem, não puxe, não me arrependi porque a vossa filha é uma delícia, uma inteligência sentimental, e gosta muito da parada, é uma safadinha bem sagaz, excelência, ahhhhhhhhh!, por que fez isso?, não quero ofender, só estou fazendo o que mandou, dizendo a verdade!, ela, compreendo agora, ah, sim, compreendo o meu lugar no mundo, obrigado pelo corretivo, vossa filha é uma criatura angelical que foi enganada por mim, sim, compreendo, ela é apenas uma criança, uma menina que não deveria ter oferecido o cabacinho emocional à escória da humanidade, um bêbado, erotomaníaco, portanto, mulherengo e ainda por cima roqueiro, alguém que se atreve a descumprir as palavras do Papa, teria sido melhor ela guardar o seu amor para o casamento com um molecote de beleza incomparável, um sujeito que sabe esconder a inferioridade do macho perante a soberania feminina, ahhhhh!, não sou boiola, deputado, não sou!, mas também não sofro de homofobia, ah, ah, soberania feminina em termos de amor, quer dizer, de sentimento, essas balelas de mulher e de homens sensíveis, aí, sim, com o genro perfeito vossa excelência não teria motivo para se sentir traído, sim, vossa excelência merece um genro exemplar, que seja macho mas a trate como uma princesa, que a proteja, vossa filha nasceu para um marido amoroso e fiel que pense que o bom cinema se faz com grandiosos filmes de ação, ahhhh!, o que foi, excelência?, sim, deputado, eu vejo filmes-cabeça, sim, excelência, gosto de filmes que ninguém entende, ahhhhh!, não puxe mais, por favor, eu já gostei do Van Damme, eu já gostei do Van Damme, veja, estou chorando de verdade, sim, sim, agora compreendo a dor que causei, compreendo as razões que levaram vossa excelência a me deixar aqui nu sob vosso olhar que relampeja o desejo de vingança contra mim, compreendo as razões que levaram vossa excelência a me amarrar pendurado pelo pau ao galho dessa árvore, eu mereço, certo?, sou um enforcado moral, mas ainda me pergunto qual será a substância que vossa excelência mandou injetar em meu cacete para produzir tal ereção?, ahhhhhhh!, não, não faço mais perguntas, prometo...

Continua

O sentimento não pode parar!

O futebol carioca precisa se unir, reestruturar, retomar a sua força, é uma pena que Botafogo e Fluminense estejam nessa situação e que o Vasco tenha tido que tombar para lembrar que é gigante. O Flamengo se orgulha em ser o menos pior? É o bastante? Lembrem da história desses clubes! Associem-se, votem e pressionem as diretorias. Cariocas, uni-vos!

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Parte 3 de 3 (Final) do conto O prêmio

De Rafa Lima

A premiação acontece de modo mecânico, enquanto Heleno se move em pensamentos e memórias, sentado na poltrona. Depois de uma chatíssima cerimônia, com discursos de agradecimento repetitivamente auto-referentes dos eleitos melhor qualquer coisa, melhor não me importo ou melhor que se foda!, Ella Benarrivo é anunciada como melhor atriz do ano pelo filme que Heleno dirigiu. Enquanto ela agradece diante da platéia que a aplaude, “em nome de todos da equipe, é lógico, agradeço muito ao diretor do filme, Heleno Fontenelle” e blá, blá, blá, de repente, Heleno é fulminado por um raio de compreensão do mundo. “O objetivo primário do ser humano é a exploração do outro ser humano, dos empregados, dos inimigos, dos amigos, dos amores”. “Mas o que é isso?”, critica-o o superego. “Desse jeito pessimista, não vai conseguir financiamento para o próximo filme”. Sente vontade de fumar. Há quinze anos não se deixava dominar por tamanho desejo. Ella Benarrivo apareceu na noite de ontem na televisão do quarto do hotel em propaganda, beijando um cartão de crédito. “Mulheres buscam a sinceridade do homem, mas, ato paradoxal, punem de uma forma ou de outra o parceiro sincero demais”. “Cerimônia dos infernos!”. “Agora, você a perdeu de vez, meu velho. Como é possível que essa fedelha que você inventou tenha se tornado tão grandiosa para a indústria num espaço de tempo tão ridículo?”. O melhor ator é nomeado. Não interessa aos negócios nem às emoções. Na verdade, Heleno nunca gostou de atores ou atrizes, a não ser em ação, ou, no caso das atrizes, em ação e na cama, por isso, sempre preferiu filmes muito antigos com a garantia de que o elenco estivesse morto. “Pronto, chegou a hora de fingir satisfação pela alegria de outro diretor, quando na verdade ele nem fede, nem cheira”. Heleno não queria estar aqui. “Ninguém é melhor. Arte não é competição, nem gincana de colégio em traje de gala”. “O melhor diretor do ano é...”, diz a apresentadora do prêmio para se calar de propósito em segundos de suspense, “... Heleno Fontenelle pelo filme Ensaio perverso sobre o tédio!”.
“O quê?”.
“Dá-lhe, Heleno! Parabéns”, abraça-o o produtor.
Uma expressão de incredulidade se faz notar no rosto do diretor premiado, enquanto ele caminha pelo corredor do auditório, um, dois, três degraus, o palco!, a apresentadora, atriz renomada no país todo a quem Heleno não conhecia pessoalmente, entrega-lhe o troféu, “nossa! É pesado!”, “parabéns, Heleno!”, diz ela, após beijá-lo no rosto, ele agradece e enfrenta a platéia de pé que o reverencia com palmas ruidosas. Inesperadamente, Heleno encontra Ella na terceira fileira ao lado do molecote-astro. Por alguns segundos, reconhece um carinhoso olhar de cumplicidade que Ella costumava oferecer a ele em momentos que desejava fazer o diretor se sentir especial. Afinal, Heleno fala.
“Nunca imaginei que estaria aqui. É realmente uma surpresa. Muito obrigado a todos que participaram do filme. Agradeço também a quem assistiu. O prêmio é de cada um de vocês da equipe”.
Pensa em mandar todos para o inferno. “Que bela chance!”.
“Agradeço aos patrocinadores e a todos os acionistas da minha alma. Sem vocês a arte continuaria mendiga! Vamos beber. Talvez hoje a gente consiga uma cirrose”.
A platéia explode em risos.
“Obrigado. Obrigado ao carinho de todos”.
Rapidamente, o diretor cruza o palco e desaparece em uma das coxias. “Talvez eu estivesse errado em desconfiar da inteligência dos cinéfilos. Talvez eles estejam evoluindo e eu nem percebi”, reflete Heleno sem conter um instantâneo sorriso de egocentrismo ao natural. “Melhor do que isso só os antidepressivos”.

Fim


........... Em breve, O premiado ...........


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Parte 2 de 3 do conto O prêmio

De Rafa Lima

“Essa porcaria não começa?”.
“Calma, Heleno. Vai dar tudo certo”.
O silêncio mastiga pastilhas anti-fumo.
Enquanto aguarda, por minutos que considera desperdiçados em meio ao auditório lotado, Heleno delira e por se acreditar antecipadamente derrotado na noite de hoje, uma vez que está indicado como melhor diretor ao lado do veterano papa-prêmios Vitorino Palocci e de três estreantes bem-cotados, imagina-se aos berros diante da platéia em franco estarrecimento: “Que se foda! O meu filme é maior do que os seus brinquedos de vaidade. Enfiem esse prêmio no cu!”. De repente, percebe-se em flagrante riso solitário. “Há muito tempo não ria com esse gosto. Que maravilha!”.
“O que foi, Heleno? Está histérico?”.
“Nada demais. Pode relaxar”.
Nos tempos recentes, Heleno anda desanimado, a perda de Ella mais o fracasso de bilheteria do filme, 3333 espectadores no total pagaram ingresso em duas semanas de exibição no Rio de Janeiro, em São Paulo e em uma sala em Porto Alegre, Belo Horizonte, Brasília, Recife e Fortaleza, geraram um amargor durante as noites, sensação que insistia em permanecer ao longo dos dias. E agora mais essa! Comparecer ao Festival. Aeroporto, avião, cagaço, morre de medo de voar, outro aeroporto, táxi, hotel, entrevistas aos jornalistas no próprio hotel, noite solitária ou não, passeio pela cidade, mais entrevistas, hotel, nervosismo a contragosto bem disfarçado, cerimônia de premiação, encontro com toda aquela fauna e flora, decepção silenciosa menos pelo prêmio já perdido mais pela vontade de que o filme tivesse maior visibilidade, festa sem cara de festa mais com jeito de bastidores de propaganda de vodka, pessoas só suportáveis porque a gente sabe beber muito bem, repetitivos sorrisos sustentados à argamassa social, alucinação controlada, papinho aqui, papinho acolá, jovens aspirantes a atriz, volta ao hotel, talvez sexo, talvez televisão para dar sono, partida, sorrisos de despedidas ingênuos ou também falsificados, táxi, aeroporto, avião, cagaço e melancolia, “Cristo Redentor, braços abertos sobre a Guanabara, essa suja!”. E agora mais essa! Muito movimento para pouca ação. “Desconfio da inteligência dos cinéfilos”. Ho, ho, ho, hi, hi, hi, ha, ha, ha, por que não se tornou um advogado, então?
O diretor e roteirista estava determinado a não comparecer à premiação, mas foi convencido por questões práticas do mundo. “Ou você vai, ou pode esquecer o próximo filme”, aconselhou Olívio. O roteiro de Os inadequados já fora escrito por Heleno e elogiado pelo pessoal da produtora. Agora, falta a grana! “Mantenha os seus contatos sempre bem lubrificados, Heleno”, Ella costumava dizer. A palavra lubrificados fazia com que o diretor pensasse em fazer amor com a esposa, às vezes, via-se penetrando-a na boceta, às vezes, no cu, às vezes, só um boquetinho alegre, mas, não importava o orifício, com muito sentimento, “te amo, lindinha! Te amo!”, mas Heleno não revelava a ela que a amava tanto. A hiper-sinceridade só surgia em temas negativos sob a forma de crítica repleta de acidez. “Que hábito comum reprimir o desejo mais ingênuo por vergonha de ser considerado tolo, guardando-o em um caixote, modelando-o de acordo com a expectativa da parceira, trancafiando o gatuno da tranqüilidade por uma suposta boa causa, que hábito comum, silenciar-se diante da vontade de trepar com o infinito”.
Ella Benarrivo, a atriz do filme, ex-esposa do diretor, de quem Heleno imaginava em silêncio que, por guardar em seu íntimo um ideal tão magnânimo de esplendor, em momento surpreendente, ela não se contivesse e arrotasse luz. Idiota! Infelizmente para ele, o casamento chegou ao fim. “Antes de dormir, Ella botava perfume”, recorda-se o diretor com carinho que corrói. “Heleno, você vive no mundo da Lua! Como artista faz de você um gênio, mas como marido torna você um merda! Não agüento mais esse descaso”. Descasaram! Heleno desconfia de que ela tenha sido aconselhada pelo empresário. Logo, uma oportunidade de crescimento no mercado teria surgido diante de Ella. Heleno se tornara um atraso de vida, depois de tanto que oferecera a ela. Mesmo assim, o diretor-pamonha sente falta de se aconchegar na alma dela, “tão amada, a vadiazinha”. Atualmente, casada com um roqueiro drogado, niilista, megalomaníaco e clichê, muito maior no meio artístico do que um cineasta-cabeça sarcástico. “Só faltava agora ela ser premiada. Que hilário seria!”.

Continua...

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Parte 1 de 3 do conto O prêmio

De Rafa Lima

Como se disfarça o mau-humor sobre o tapete vermelho de premiação cinematográfica? Estado de espírito cinzento que não se modifica em Heleno Fontenelle pelo fato de estar indicado na categoria de melhor diretor do ano. Ele acelera o passo. Sente-se patético vestido sob o elegante traje de pingüim. “Heleno!”, “uma palavrinha, por favor!”, “Heleno, estamos ao vivo!”, “Fale comigo, Heleno!”, confrontam-se as vozes dos repórteres localizados atrás da grade que os separa dos artistas que chegam à cerimônia e à frente da outra barreira de metal que os mantém destacados do grande público. Microfones e flashes em pronta ereção. Heleno se esforça para tratá-los com gentileza, aproximando-se com um meio-sorriso. As mesmas perguntas de sempre permitem respostas óbvias. “Nervosismo nenhum”, “sim, estou muito feliz com a reação da crítica ao filme. Só esperava mais do público”, “não considero o filme tão polêmico assim”, “não vou falar sobre o fim do meu casamento”, “boa festa para todos”. Apressado, Heleno se afasta. Detesta entrevistas. É tomado pela vontade de beber algo forte.
Dentro do auditório, avista muitos pingüins, que como ele escondem o desconforto, pavões coloridos e peruas emplumadas. “Eventos de gala são tão charmosos quanto dentes de ouro”. Logo, Heleno se vê cercado de gente meiodesconhecida, fulaninho, “está nervoso?”, sicraninho, “o filme é espetacular, Heleno. É espetacular!”, não-sei-quem, “quanta elegância, meu querido. Você é tão jovial”, não-me-lembro-o-nome, “o meu lugar é perto do seu”, quem-diabos-é-você, meu filho?, “noto no seu filme a mistura de influências da estética neo-realista italiana da segunda metade do século 20 com a acidez juvenil do Tarantino”, a-delicinha-da-noite, “o meu nome é Fernanda. Que prazer imenso conhecê-lo. Adorei o filme”. Heleno sorri com intenção pela primeira vez desde que chegou. Caminha até a poltrona onde em breve terá início a sessão de tortura chinesa. “Somos tão talentosos e felizes”, rosna para si. “Por que me defendo tanto dessa gente?”. Heleno ainda não percebeu a presença dela. Nos últimos tempos, em todos os lugares em que enquadra o seu olhar de múltiplas obsessões apenas reconhece a busca por títulos de nobreza social, seja por via econômica, intelectual, política, artística, esportiva, etílica, “ah, nada como uma pessoa que sabe beber direito”, e principalmente erótica ou sentimental. A poltrona de Heleno se encontra na quinta fileira, onde o diretor avista o produtor do filme, Olívio Quitanda, um sujeito gordo, grisalho, cínico, engraçado, merecedor de profunda adjetivação.

“Nervoso, rapaz?”.
“Até você, Olívio?”.
“Não está nervoso?”.
“Deveria estar?”.
“Já viu Ella com o roqueiro?”.

Heleno congela. O silêncio do diretor é a melhor resposta. “Porra, espero não ter que encontrá-la”. Senta-se ao lado do outro. Em silêncio. “Certo! Certo! Tão certo quanto um idiota que toca violão valer mais no imaginário feminino do que um idiota qualquer, mesmo que ele cante como um demônio em agonia”.

“Não a viu ainda, não é mesmo?”.

“Nem quero”.

Heleno baixa o olhar até os próprios joelhos. “Fazer arte! No princípio, era para tentar conquistar mulheres, às vezes funcionava, depois, por uma necessidade de expressar aquilo que não se sabe dizer no cotidiano, ainda mais além, para oferecer versões bem recicladas de velhas visões do ser humano, hoje em dia, por pura vaidade e satisfação do ego. Quanta ostentação para disfarçar a falta de talento!”.

“Essa porcaria não começa?”.


Continua...

O sentimento não pode parar!


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Parte 5 de 5 da peça ácida O amor segundo o Diabo

De Rafa Lima

7. Carrossel sentimental temporal

(Toca “A cavalgada das Valquírias” de Richard Wagner. Entra o DIABO, regendo).

DIABO – Senhoras e senhores, apresento como grande final o carrossel sentimental temporal do Diabo. Eu trago a pessoa amada em três minutos. Entrem, Incubo e Súcubo, minhas marionetes!
(O palco é dividido em 4 pontos, o DIABO perambula pelo espaço ao longo da cena. Ponto
1: CHICO e FLÁVIA, ponto 2: TOM e MIRELA, ponto 3: VINÍCIUS e TATIANA, ponto 4: MARIANO, o amante. Entram o HOMEM e a MULHER para representar todos os personagens do carrossel sentimental temporal do Diabo, modificando em cena de acordo com a necessidade os acessórios de cada um).
DIABO – Quanta juventude! No século 21 com o avanço da medicina a adolescência dura até os 34 anos. Muita atenção! Agora, vocês serão muitos! Vai começar, três, dois, um... (pirado) que venha o fogo!
(HOMEM e MULHER correm para o ponto 1).
FLÁVIA – Chico, depois de tantos anos juntos, descobrimos o segredo do casamento ideal.
CHICO – Abrir mão de viver, Flávia?
(HOMEM e MULHER correm para o ponto 2).
MIRELA – Você é o homem da minha vida, Tom, mas não quero ficar com você.
TOM – Você é louca de fazer isso, Mirela! (Pausa). Não faz idéia de como isso me excita.
(HOMEM e MULHER correm para o ponto 3).
VINÍCIUS – Tatiana, você já me traiu?
TATIANA – Pensamento conta, Vinícius?
(HOMEM corre para o ponto 4).
DIABO – Rápido, revele o amante.
MARIANO – Oi, Tati, sim, eu sou o homem que você sempre quis e você ainda presa a esse molóide. Vou satisfazer todas as suas vontades, mas você tem medo. Vem, Tati, vem.
(HOMEM corre de volta para o ponto 3).
VINÍCIUS – É claro que pensamento conta, Tati.
TATIANA – Vai querer controlar até o que eu penso?
DIABO – Vamos, mais uma volta! Mais rápido!
(HOMEM e MULHER correm para o ponto 1).
FLÁVIA – Alguma vez você pensou em se separar de mim, Chico?
CHICO – O que é isso, Flavinha? De jeito nenhum. (Pausa). Só estrangular mesmo.
(HOMEM e MULHER correm para o ponto 2).
TOM – Se você gosta de mim, Mirela, por que me alfineta tanto?
MIRELA – Você fica lindo quando está bravinho!
(HOMEM e MULHER correm para o ponto 3).
TATIANA – Vinícius, você já mentiu para mim?

VINÍCIUS – Nunca, Tati, nunca.

TATIANA – Você já me traiu?
VINÍCIUS – Ficou maluca?
TATIANA – Se tivesse traído você me contaria se eu perguntasse?
VINÍCIUS – Claro que não!
TATIANA – Pois eu sim! Eu tenho outro.
DIABO – Mais rápido, mais rápido, próxima volta! Hospedeiro e parasita!
(HOMEM e MULHER correm para o ponto 1).
FLÁVIA – Chico, estou com medo, você pensa com freqüência em me estrangular?
CHICO – Aconteceu apenas uma vez, Flávia.
(Silêncio).

FLÁVIA – Com uma corda ou com as mãos?
(HOMEM e MULHER correm para o ponto 2).
MIRELA – Se você e eu não fôssemos tão malucos, Tom, você seria o pai dos meus filhos.
TOM – Mirela, você sempre me diz coisas que me fazem mal. Você é louca! Como consegue ser tão gostosa? (HOMEM e MULHER correm para o ponto 3).
VINÍCIUS – Beleza, Tati, você transou com outro. Só uma coisa me intriga. Quem é melhor na cama? TATIANA – Só isso preocupa você? Vinícius, por que você dá mais valor ao sexo do que às minhas motivações?
VINÍCIUS – Porque o sentido de tudo é o sexo. Os homens pensam assim.
TATIANA – Nem todos!

VINÍCIUS – Todos! A maioria disfarça.

TATIANA – Quer apostar que nem todos são assim?

(HOMEM e MULHER correm para o ponto 4).

TATIANA – E, então, Mariano, ele concluiu dizendo que as mulheres utilizam o sexo como um meio, um meio para atingir um objetivo emocional, já os homens enxergam o sexo como um fim, um fim que vale o uso de qualquer meio.

MARIANO – Mas, Tati, ele quis mesmo saber quem é o melhor na cama?

TATIANA – Quis. Dá para acreditar?

MARIANO – Incrível. (Silêncio).
MARIANO – E aí, qual dos dois é o melhor?
(TATIANA grita de raiva).
DIABO – Vamos mudar de cavalinhos, crianças! Acelerem o carrossel! Eia! (Grita e gesticula como se chicoteasse cavalos. O HOMEM corre para o ponto 3 e a MULHER corre para o ponto 2).

VINÍCIUS – Eu me arrependi do que fiz com você, Mirela. Volte para mim.
MIRELA – Você é casado, Vinícius.
VINÍCIUS – Isso importa?
(O HOMEM corre para o ponto 2 e a MULHER corre para o ponto 3).

TOM – Tatiana, você ainda está envolvida com os dois?
TATIANA – Gosto de cada um de maneiras diferentes.

TOM – Qual dos dois é o melhor, hein?

TATIANA – Até você, Tom?

(HOMEM e MULHER correm para o ponto 1. CHICO e FLÁVIA entediados ao extremo, silêncio absoluto, ele olha o relógio, ela se coça, ele tosse, ela sorri amarelo).
DIABO – Vocês, humanos, são produtos do que as suas mentes consomem, mas nunca é o bastante e por isso vocês se consomem! Próxima volta! Rápido! Rápido! Rápido!

(HOMEM e MULHER correm para o ponto 3).

VINÍCIUS – Vai me trocar por aquele pé-rapado? (Corre para o ponto 2).

MARIANO – (Cheio de si). Nem adianta fingir que não foi uma delícia. (Corre para o ponto 3).
TATIANA – Não quero mais nenhum dos dois.

(HOMEM corre para o ponto 1 e a MULHER corre para o ponto 2).

CHICO – (Estrangulando um pescoço imaginário). Com as mãos mesmo!
MIRELA – Quero, mas não quero.
(HOMEM corre para o ponto 2 e a MULHER corre para o ponto 1).
TOM – É uma relação doentia!
FLÁVIA – Eu sou sempre tão boazinha!

DIABO – Vamos ao êxtase!

(HOMEM e MULHER correm e se trombam).
MULHER – Não agüento mais.
HOMEM – Eu também não!
MULHER – O tempo é a cura.

HOMEM – O Diabo é a neurose.
(Os dois se abraçam e se protegem no fundo do palco. Entra MIGUEL em estado de combate).
MIGUEL – (Ameaçador). Pare com isso, demônio! É o fim do seu sadismo sobre essas mentes.

DIABO – (Demoníaco). Vem, passarinho, vem! Vou devorá-lo!

(MIGUEL e o DIABO se colocam em imagem mítica de confronto, a luz muda, uma catástrofe natural parece se aproximar, ouvem-se portas e janelas batendo, trovões se misturam a um som de medo).
MIGUEL – Quantas vezes teremos que provar que o método mefistotélico baseado na ambição humana não passa de uma deturpação? O ser humano é um animal solitário, mas no bem-querer do outro encontra o elemento que os eleva além da solidão, a troca interpessoal, o grande encontro de linguagem viva, o homem a aquece, enquanto a mulher o acalma, a empatia, colocar-se no lugar do outro, criar maior potência a partir da simbiose. Amálgama! Demônio, tantas barbaridades você representou na mente desses dois jovens humanos. Somente concordei com algo que você disse no início do seu espetáculo de horrores. O amor nada tem a ver com as conquistas ou novos mundos que a relação possibilita, mas sim com dividir-se, como você bem disse, amar é oferecer. Só é amor aquilo que você oferece.

DIABO – Miguel, sabe que eu estava sendo irônico. Uma provocação aos discípulos de JC. Não me venha com sermões. Fugiu da luta, passarinho?
MIGUEL – Até quando vai bancar o durão, Lúcifer? Você sabe bem o que é amar, já se ofereceu por completo. O maior amor que já existiu. Você não desistiu de amar aquele que lhe concedeu a vida, mesmo quando Ele abandonou você. Tanto que o seu amor pelo poder da criação acabou rejeitado por todos nós pela sua megalomania feroz. Você se orgulhou de tamanho sentimento, mas nunca entendeu para valer, Deus só faz sentido se for para reconfortar.
DIABO – No momento em que fui mais grandioso eu fui rejeitado. O maior amor da História é um caso clássico de egocentrismo do criador. A troca no fim das contas é um eterno virar de costas. Acabei banido. Vocês precisam de vilões para mascarar os próprios crimes!

MIGUEL – Você foi banido porque transformou a rejeição em vingança, o sentimento em ressentimento.
DIABO – Fora daqui, arcanjo! Por que me traz essas lembranças?
MIGUEL – Para interromper esse circo. A humanidade precisa do amor, precisa da redenção, precisa da esperança! Por mais ingênuos que possam parecer. Eles merecem acreditar que podem ir além do vazio. Tantos métodos de conhecimento, tanta ciência, e tudo o que fazem ainda hoje diz respeito a preencher o vazio. Não tente lhes tirar esse direito.

DIABO – (Muito calmo). Jamais desistirei, passarinho. Vocês me reduziram a uma mentira. Sabem bem disso. Eu me tornei grande demais. Agora sou um colecionador de sonhos humanos destruídos. No século 21, o amor é um vômito ansioso, uma ausência premeditada, uma mentira corporativa que permite que as pessoas se suportem por um tempo cada vez menor!
(MIGUEL e o DIABO sentem uma alteração no universo).
DIABO – Que truque é esse?
MIGUEL – Eu avisei. Não temos mais poderes sobre os dois jovens. Agora, somos apenas ilusões nas suas mentes.
DIABO – Perdi esses dois, mas outros alimentam a minha grandeza. Você precisa de mim tanto quanto eu preciso de você. Sabe disso.
(A MULHER toma o centro do palco para si, o HOMEM a acompanha, falam com sinceridade sem ser piegas).

MULHER – Lembrei quem eu era antes de vir parar aqui.

HOMEM – Quer dividir comigo?
MULHER – Claro. Passamos por tantas coisas juntos durante esse tempo terrível.
HOMEM – Quem era você?
MULHER – Uma mulher cheia de sentimentos que lutava por direitos iguais numa sociedade machista. Que bom. O passado já não mais me atormenta.
HOMEM – Eu gostaria de ter dito isso antes. Quer ser livre comigo? Quer marcar a minha vida para sempre? MULHER – Se você quiser crescer comigo e através de mim. Que engraçado, parece que nos conhecemos há muito tempo.
HOMEM – Posso cuidar de você?
MULHER – Tanto quanto eu puder cuidar de você.
HOMEM – É bom demais sentir isso.

MULHER – É mesmo. Tem gosto de renascimento.
HOMEM – Você me aceita como eu sou. É bom demais. Você controla as suas antecipações.

MULHER – Mas também quero fazê-lo crescer, só que para isso tenho que aprender muito com você. HOMEM – Podemos inventar um mundo só nosso.
DIABO – (Enojado). Ah! Quanta doçura inútil! Essa união não dura dois anos.

MIGUEL – Vai durar muito mais.

DIABO – Quer apostar?

MIGUEL – Sabe que eu não aposto.

DIABO – Amarelão!

MULHER – (Para os seres míticos). Podem parar de se meter? A nossa vida amorosa só diz respeito a nós dois.
HOMEM – Por que não desaparecem de uma vez?

MIGUEL – Perdão.
DIABO – Eva, você sempre foi uma neurótica com mania de perfeição, não vai mudar agora, vai? Claro que não. Logo, o Adão estará entediado, gordo, desejando outras Evas em segredo. O ser humano se cansa do parceiro extremamente leal. Aproveitem a nova prisão que criaram. Até sempre. Sonhe comigo, passarinho. (Retira-se com mistério).

MULHER – O Diabo precisa de um antidepressivo com urgência.
HOMEM – Tipo uma foda bem dada?
MULHER – Adão! Olha os modos!

MIGUEL – Creio que vocês escolheram um bom caminho, a vida melhora sempre que se lembram por que tudo começou, a tremedeira nas pernas, o brilho no olhar, a taquicardia. Conhece a ti mesmo e cuida bem do outro. (Pausa). O ressentimento o Diabo que carregue! (Desaparece).
HOMEM – Isso era um anjo mesmo?

MULHER – Só se for um anjo da Era de Aquarius. Mas não importa. Eu não acredito que interferências externas possam orientar a minha vida. Está tudo na mente.
HOMEM – Tem razão.
MULHER – Vem cá, gatinho!

HOMEM – Adoro mulher que toma a iniciativa de vez em quando para variar.
MULHER – Sou apaixonada por esse seu olhar perdido.
HOMEM – Eu tenho fome da sua boca.
MULHER – Quer comer torta de maçã?
HOMEM – Quero comer todinha.
(Começa a tocar “Can´t take my eyes off of you”, em qualquer versão, os dois se beijam. Enquanto isso, o DIABO ressurge sem que eles percebam, vestido em uma placa de frente e de costas, como a de um anunciante de loja de câmbio ou de compra e venda de ouro do centro da cidade, à frente, lê-se: “Final feliz”, às costas está escrito: “O fim está próximo”. O DIABO caminha de um lado para o outro com uma sineta na mão como um profeta do Apocalipse, enquanto o casal se curte com delícia, com a música ainda animando, a luz vai enfraquecendo até se apagar).
(Música do agradecimento: “Samba do grande amor” de Chico Buarque).


O ressentimento o Diabo que carregue!



FIM


O sentimento não pode parar!



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Parte 4 de 5 da peça ácida O amor segundo o Diabo

De Rafa Lima

6. A batalha pela mente do suicida

(Começa a tocar a música “No surprises” do Radiohead, que se prolonga por algum tempo até ser interrompida por um grito de raiva em meio à escuridão).
DIABO – (Dos bastidores). Aonde pensa que vai, Miguel?
(Corte rápido. Luz. O HOMEM como o SUICIDA e MIGUEL estão em cena).
MIGUEL – Está mesmo cogitando se jogar lá embaixo? São oito andares.
SUICIDA – Estou, mas pelo jeito você veio me convencer a não cometer tamanha burrada.
MIGUEL – Sim. Meu nome é Miguel, sou arcanjo.
SUICIDA – Como é que é? Você é uma mulher!
MIGUEL – Apenas um disfarce.
SUICIDA – Sei.
MIGUEL – Quer desabafar?
SUICIDA – Você está mais maluca do que eu.
MIGUEL – Deixe-me ajudá-lo.
SUICIDA – Você não tem como.
MIGUEL – Está fazendo isso porque ela, a mulher mais amada do planeta, abandonou você depois de tantos anos juntos e agora nada mais parece ter importância?
SUICIDA – O quê?
MIGUEL – Não foi por isso que você veio parar no seu inferno particular? Que abriu mão da sua identidade? E, ainda mais, da sua liberdade?
SUICIDA – Como sabe disso? Quem é você?
MIGUEL – Já disse, vim ajudá-lo.
SUICIDA – Estou ficando louco. Não me faltava mais nada, um anjo.
MIGUEL – Arcanjo.
SUICIDA – Se sabe tanto sobre mim, concorda que estou sendo punido por ser psicologicamente sólido. Ela acreditou que eu agüentaria o tranco. Ela estava errada, a vampira. Quanto mais ela me respeita, mais dura é a ação dela contra mim. Que contraditório.
MIGUEL – Calma, rapaz. Ela amou demais, ela se deu por inteira a você. Só não segurou mais a onda.
SUICIDA – Para ela tudo precisa ser tão carregado de deslumbramento. Só que eu sou real. Ela não agüenta o que é real por muito tempo, por isso, ela foge.
MIGUEL – Ela desejou você por um longo período, lembre-se disso. Você já teve tantas mulheres antes dela. Já fez sofrer e já sofreu. Conhece bem a abstinência após a separação. Por que agora age de forma tão autodestrutiva? O que mudou? Onde está o seu amor próprio?
SUICIDA – Não sei mais o que é isso. Fiquei muito dependente dela. Eu desenvolvi transtorno obsessivo compulsivo em relação às mulheres.
MIGUEL – Controle a compulsão! Você precisa domesticar a dor. Na perda o melhor é manter a memória numa lembrança morna, a caminho do resfriamento, mas sem abrir mão do que houve de inesquecível.
SUICIDA – Que conversa mole! Tudo o que sobra é o azedume!
MIGUEL – Nem sempre. O passado fez de você quem é.
SUICIDA – O passado é o Diabo!
(Surge o DIABO).
DIABO – Sabia que sentiria saudade de mim. Então, foi aqui que você se escondeu, Pinóquio? Não foi boa idéia agir por impulso. Aqui fora só vai encontrar dor. Logo vi que ao sair do meu território só poderia parar num lugar de desespero. Quer dizer que vai pular lá embaixo?
MIGUEL – Ele reencontrou quem era antes de se deixar levar.
DIABO – É mesmo?
SUICIDA – Até agora além do vazio só me resta raiva. (Berra). Não se aproximem de mim!
DIABO – Como podem ver, o meu cliente necessita de amparo existencial. O melhor amigo do homem é o advogado.
SUICIDA – Eu não sou seu cliente!
DIABO – Por isso está pensando em pular lá embaixo. Está sofrendo muito, o coitadinho. (Reflete). Se uma alma condenada se suicida será que ela se redime às avessas? Que baita paradoxo.
MIGUEL – Ele não é uma alma condenada. Você o fez acreditar nisso. Não o confunda, demônio! Você está vivo, rapaz!
SUICIDA – Só queria que ela soubesse que eu a amei como nenhum outro homem vai amar. Ela sabe disso, ela sabe disso.
DIABO – Que megalomania! Diga a verdade, fedelho, agora que foi abandonado você quer fazê-la sofrer.
SUICIDA – Nada disso. Só quero que ela jamais se esqueça de que eu fui um homem e tanto.
DIABO – Não seja idiota, pivete! Pise nela. Maltrate-a nas emoções. Não existe mulher tão boa na cama como aquela que quer resgatar a auto-estima ferida. Quanta intensidade! U-hu! É daquela mulher em forma de tempestade que você sente tanta falta, não dessa que o deixou. Otário!
SUICIDA – Sim, sim, sim! É aquela ausência que me despedaça!
DIABO – Você quer ser um homem bom e admirado, seja lá o que isso signifique, quer construir um porto seguro, mas nas internas sente também uma vontade violenta pelo caos! Pela adrenalina da queda livre! Atire-se.
MIGUEL – Você não precisa mais se submeter a isso. Já percebeu que merece muito mais.
DIABO – Deixe-me ver se entendi bem. Antes de chegar ao inferno, você era um homem que gostava mais de livros do que de carros, mais de mulheres do que de livros, mais da mulher do que das mulheres, só que conquistou e perdeu a sua preferida com a mesma velocidade e então não quis mais ser quem era. É para voltar a ser esse fodido que você agora quer ser livre?
SUICIDA – Eu sou livre.
MIGUEL – Eles são livres.
DIABO – São livres, mas não querem fazer escolhas. São livres, mas não aceitam as conseqüências.
SUICIDA – Que conseqüências?
DIABO – Tudo acaba. Vai pular?
SUICIDA – Para me salvar agora apenas algo que me dê sensação de poder.
DIABO – Popularmente conhecido como bolagato. Alguém entendeu? (Caso alguém na platéia tenha rido à menção de bolagato, o DIABO aponta em silêncio para a região de onde veio o som em sinal de cumplicidade).
SUICIDA – O que é isso?
DIABO – Detesto explicar a piada, bolagato, ballcat.
SUICIDA – Ballcat?
DIABO – Boquete, seu quadrúpede depressivo!
MIGUEL – Calado, maldito!
DIABO – Sugue o que oferece quem com você se envolve agora, satisfeito o apetite jogue o bagaço fora!
SUICIDA – (Tendo uma visão). Vejam quem vem ali.
MIGUEL – Quem?
SUICIDA – Mas como é possível? É o fantasma da minha mãe.
(Muda a luz. DIABO e MIGUEL desaparecem. Surge a MULHER como o FANTASMA DA MÃE).
FANTASMA DA MÃE – Filho, não cometa essa loucura! Você sempre usou e abusou das mulheres que eram loucas por você e se maltratava por um heroísmo romântico boboca com aquelas que considerava um desafio. Não desista da alegria, menino! Elas admiram você quando se mostra forte. Seja emocionalmente forte. Não pule! Não se mate por ser viciado em mulheres!
SUICIDA – Você não é o espectro da minha mãe, é apenas uma representação da minha mente perturbada.
FANTASMA DA MÃE – Vingue a minha morte, filho!
SUICIDA – Vingá-la, mas por quê?
FANTASMA DA MÃE - Pensando bem, você tem razão. Eu ainda não morri. Vem me visitar, filho, estou com saudade.
(A luz volta a ser o que era, some o FANTASMA DA MÃE, reaparecem o DIABO e MIGUEL).
SUICIDA – Como não seguir essas idiotas fórmulas do ego? Como não reduzir o encontro a dois a limitadas obsessões de vaidade?
MIGUEL – Em briga de pessoas que se amam não interessa mais quem tem razão se os dois perdem.
DIABO – Balela! O sentido humano é a busca pelo conflito!
SUICIDA – Eu quero ser leve.
DIABO – Não vai mais pular? Pula, vai. Se for realmente leve vai cair como uma pluma.
SUICIDA – Eu sou egocêntrico demais para me matar. Sem falar que até um simples suicídio vocês transformam em duelo de dominação.
MIGUEL – Agora que é livre, pode caminhar sozinho. Não precisa de muletas espirituais. Basta ter fé na vida.
DIABO – (Para o suicida). Ei, amigo, ofereço a você as mulheres que quiser cheias de desejo se concordar em participar do meu grande final.
SUICIDA – Combinado.
MIGUEL – Não desista da sua liberdade!
SUICIDA – Não desistirei. Já compreendi que vocês não passam de ilusões da minha cabeça.
MIGUEL – A-ha! Perdeu, demônio. Adeus.
DIABO – Nos veremos antes disso, arcanjo.
(Saem todos. Entra a MULHER, correndo).
MULHER – Por que estão voltando para lá? Pensei que agora nós dois seríamos livres. Eu não me lembro quem eu era antes de chegar aqui. Mas não posso abandoná-lo. Ele esteve comigo nos momentos mais difíceis. Prometo que é a última vez que vou até lá, sei que não deveria, sim, é a última vez! É a última vez que vou até lá. Sim, é a última vez! A última.

Continua na parte final...

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Parte 3 de 5 da peça ácida O amor segundo o Diabo

De Rafa Lima

4. Los fabulosos Tequilas

(Em portunhol surreal misturado a outras línguas).
MANUELA – Juan Antonio.
JUAN ANTONIO – Manuela.
MANUELA – Si, soy yo.
JUAN ANTONIO – ¿Que haces acá, mujer?
MANUELA – A pesar de tua violencia, a pesar de tuas traiciones, estoy acá para redimir-te.
JUAN ANTONIO – Fuck!
MANUELA – ¿Qué?
JUAN ANTONIO – Es una neurótica.
MANUELA – Déjame hablar!
JUAN ANTONIO – Mein Gott! Go to hell, bambina!
MANUELA – ¿Que lengua estamos hablando?
JUAN ANTONIO – No somos más nada. Estás confundiendo.
MANUELA – Yo no lo reconozco.
JUAN ANTONIO – Putana!
MANUELA – ¡Broja! (Lê-se Brorra).
JUAN ANTONIO – ¿Qué?
MANUELA – ¡Broja!
JUAN ANTONIO – No comprendo.
MANUELA – Es muy burrito.
JUAN ANTONIO – What´s the fucking deal, bitch?
MANUELA – Antes usted me amaba, ahora yo soy un peso muerto.
JUAN ANTONIO – An-rã!
MANUELA - ¿Qué?
JUAN ANTONIO – An-rã!
MANUELA – ¿Qué cosa es esa, ‘an-rã’?
JUAN ANTONIO – Significa que usted es una inútil, ragazza.
MANUELA – Que te vas ao diablo!
JUAN ANTONIO – ¡Muera, cucaracha!¡No te quiero más!
MANUELA – Estoy embarazada.
JUAN ANTONIO – ¿Qué?
MANUELA – Embarazada.
JUAN ANTONIO – ¿Qué porra es esa? Io no parlo mandarim.
MANUELA – Grávida, idiota.
JUAN ANTONIO – Grávida e idiota?
MANUELA – No, no, embarazada, idiota.
JUAN ANTONIO – (Filosófico). La donna è mobile qual piuma al vento.
MANUELA – ¡Cobarde! ¿No es majo, cabrán? (Lê-se marro).
JUAN ANTONIO – Majo?
MANUELA – Macho.
JUAN ANTONIO – Ah.
MANUELA – ¿E entonces?
JUAN ANTONIO – Você está mesmo grávida? Tem certeza?
MANUELA – Si, estoy.
JUAN ANTONIO – Como diriam os franceses: ‘Shit!’.
MANUELA – ¿Qué piensas a hacer, corazón?
JUAN ANTONIO – I used to love her but I have to kill her.
MANUELA – ¿Que dices?
(Silêncio).
MANUELA – ¡Entonces!¿Que dices?
JUAN ANTONIO – (Explodindo de alegria). Que vou ser o melhor pai do mundo!
MANUELA – Verdade? Jura que é verdade?
JUAN ANTONIO – (Verdadeiro). Sim. E o nosso filho, se você estiver de acordo, vai se chamar David Lynch.
MANUELA – (Verdadeira). Que nome lindo! Viu só? Ninguém me conhece tão bem quanto você! Conversando a gente se entende.

5. Sempre mais

(Começa a tocar “Heavy metal do senhor” do Zeca Baleiro. Entra o DIABO, radiante).
DIABO – Nada como um bom diálogo! Pena que a pomba da paz entrou em combustão espontânea. Kabum! Convenções de status social ainda mantêm o casal de equilibristas por um fio. Vocês se encontram para se desejar, entregar, apaixonar, possuir, com a mesma intensidade com que em tempos futuros vão se ressentir, acusar e violentar. Vocês não se tratam como gente, mas sim como alvos. Alvos a conquistar para em seguida combater. Por que assumem papéis que não estão interessados em interpretar? Por que decidiram se emocionar um com o outro? Atribuir valores extremos? Poderiam ter ficado apenas com a diversão do sexo. Às vezes é mais saudável separar as coisas. Com mais inteligência, a alegria teria durado mais tempo. Mas não! Vocês querem sempre mais. Vocês querem a dominação. É aí que vocês se dilaceram! Não é verdade, passarinho? Está me ouvindo? Já compreendi o propósito da inesperada visita. Pois saiba que essas duas almas chegaram aos meus domínios com as próprias pernas. É escolha deles estarem aqui. Estão fugindo do passado. Nada tenho a ver. Portanto, não me atrapalhe mais. Quero me divertir com os meus novos brinquedos. Está me ouvindo? (Desconfiado). Parece que não. Onde está você, anjinho? Não volte aqui ou vou depená-lo. Mostre-se ou desapareça! (Enxerga além). Não está aqui. Fugiu com o meu bonequinho. Aonde pensa que vai, Miguel?
(Blecaute total).

Continua...

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