Parte 4 de 5 do conto Radiohead na Portela (Psicotrópicos nos trópicos)

De Rafa Lima

Finalmente, estão o mais próximo possível do que se pode considerar confortável no formigueiro de sensualidade em um dia de verão que é o ponto em frente à rua Joana Angélica na praia de Ipanema (hipertexto, a explosão demográfica transformou a garota de Ipanema do terceiro milênio em uma matrona magérrima e conservadora, cheia de filhos, netos, bisnetos e sobrinhos miseráveis que pedem esmola à tia célebre, parentes cujos nomes a musa popular sequer desconfia, porque são poucos os sortudos a quem ela permite a benesse de mamar em uma de suas oito tetas mutantes sustentadas pelo silicone).

“Que semaninha agitada, hein, Stanley?”, provoca João.

“Mas está se divertindo, não está, meu amigo? Já até pegou um bronzeado!”.

“Olha, o mate! Olha o galão! Olha o mateeee!”.

“Até fez sexo, não é, Jo-on?”.

As meninas explodem em risadas.

“Com quem?”, interessa-se Flavinha, nada deslumbrada por fazer parte de um diálogo em inglês. “Quer dizer que está me traindo?”.

“Nunca tive nada com você, sua doidinha. Vamos mudar de assunto, certo? Não quero falar sobre as minhas intimidades”.

De repente, Flavinha percebe a presença de um playboy wannabe pimp, com quem foi para a cama no mês passado, em uma noite de delírio, para rapidamente fingir ignorá-lo.

“Você não vai acreditar, Flavinha”.

“O que houve, Stanley?”.

“Ontem, nós três fomos à feijoada da Portela e em determinado momento o Jo-on começou a cantar Radiohead. Inacreditável!”.

“Está brincando? João, por que você não aceita o país em que vive?”.

“Porque não suporto essa ditadura do bem-estar, eu detesto o sol e a alegria obrigatória, foda-se, não me interesso pelo pôr-do-sol, nem pela luta popular por espaço, o Carnaval não passa de um circo megalomaníaco realizado para inglês ver”.

“Como pode?”, ofende-se Tati. “Que mente imperialista de merda a sua!”.

“Não me enche, tchutchuca!”.

“Quer jogar frescobol, Flávia? O pensamento unilateral nunca permite um bom debate de idéias”.

John, não mais João!, não mais João!, lança um olhar de desprezo à garota nacional, “ufa! Ufanismo!”, por instantes, ele delira, insolação na alma, deseja um eclipse solar que torne escuro o dia, quem sabe?, uma tempestade polar, o Rio de Janeiro abaixo de zero graus Celsius, “falar em limpeza étnica é considerado fascismo, mas que tal um pouco de educação para esse povo ignorante e orgulhoso dessa ignorância?, por exemplo, esse objeto se chama livro, mas não!, vivemos sob a égide da Santíssima Trindade, futebol, mulher e cerveja, não precisamos de mais nada, certo?”, enquanto isso, à beira-mar, “não é possível que não exista um intelectual sem atitude pernóstica”, pensa Flavinha, enquanto rebate à bolinha com a raquete “por favor, intelectual gente-boa carioca, venha para a luz! Vamos diminuir a distância entre espaços que não se separam mesmo com túneis como o Rebouças, nem com a divisão simplista entre morro e favela”, ho, ho, ho, hi, hi, hi, ha, ha, ha, Cristo Redentor só tem duas mãos que juntas formam o maniqueísmo. Além? Ouvi dizer, vamos além algum dia? O Deus dessa cidade deveria ser um polvo, sim, sim, diversas vias, múltiplas idéias.

“Por favor, diga algo em português para eu praticar”, anima-se o jovem inglês, retirando o amigo do culto fascista.

“Eu seria capaz de cometer parricídio para trocar de lugar com você na sociedade inglesa, amigo”, John diz de modo acelerado.

“O quê? Repete mais devagar”.


Continua na parte final...


... Futebolé (7)


Bom demais ganhar do Flamengo estando rebaixado, vitória maiúscula, 2x0, depois de já ter metido um chocolate no campeão da taça Guanabara, 4x1 no Botafogo, e ter empatado com o Fluminense com um jogador a menos no segundo tempo quase todo. Partiu série B, galera? Mas o melhor mesmo foi ganhar do Flamengo. Que Roberto Dinamite consiga reestruturar o clube à maneira que Dorival Júnior já fez e ainda vai fazer com o time, pouco a pouco, com planejamento, profissionalismo, sem ilusionismos, o gigante andava muito mal das pernas mas nada como um tombo medonho para retomar as forças e lembrar o próprio tamanho! Hahahaha, o Kleber Leite é muito engraçado! Desculpa, Kleber, a torcida do Vasco mostrou que ainda é possível acreditar em Papai Noel, mais crível do que as palavras de alguns dirigentes.

O sentimento não pode parar!


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Parte 3 de 5 do conto Radiohead na Portela (Psicotrópicos nos trópicos)

De Rafa Lima

“Stanley!”, de repente, ouve uma voz feminina chamá-lo. “Você se perdeu?”.
Ele concorda com um gesto de cabeça e se abaixa para beijar rapidamente nos lábios Tati (hipertexto, o rebolado da verdadeira garota nacional, ela não come fast-food, não vê filmes de Hollywood, não usa calça jeans, só bebe guaraná, adora palavras nativas como açaí, cupuaçu, acarajé e champanhe, não conhece o conceito de antropofagia cultural proposto por Oswald de Andrade na semana modernista de 1922, mas adora cair de boca sobre os gringos, nem percebe a contradição, “ih, puxa vida”, esqueceu de tomar a pílula hoje, é tão cheia de modelos de comportamento que não suporta as modelos de passarelas, assiste aos jogos da seleção brasileira de futebol emitindo gritinhos agudos toda vez que a bola se aproxima de uma área ou de outra, embora considere futebol muito chato, “para que noventas minutos de jogo?”, só fala mal de amiga quando não tem jeito mesmo, sente pena do povo sofrido, “de verdade, acredite, é verdade”, mas atravessa a rua quando vê um mendigo, não entende, mas adora os antiqüíssimos filmes de Godard, mais para contar para os outros que assiste coisas desse gênero e assim se sentir valorizada, quando ela mesma às vezes não sabe se dar valor, porque adora escolher homens canalhas, insensíveis, cachorrões mesmo, garantia contínua de sofrimentos e desvalorizações, faz da sua vida um RPG de novela, não transa sem camisinha com desconhecido, faz novos amigos diariamente, não trepa com ex-namorado de amiga, afinal, há uma ética, no máximo, no máximo, topa um boquetinho, não veio à praia anteontem mesmo com todo aquele sol que fez porque enfrentou uma fila danada para renovar o passaporte, acha o Brasil o melhor lugar do mundo, sem dúvida, “não há nada igual ao Rio de Janeiro”, mas adoraria morar em outro lugar, é categoricamente contra o turismo sexual, só rebola quando quer chamar a atenção) que está sentada sobre uma canga de cores psicodélicas, molhando a moça com algumas gotas salgadas.
“Ai, que água gelada!”, prossegue Tati em inglês. “O seu telefone tocou, enquanto você estava no mar”.
“Olha o mate! Olha o galão! Olha o mateeee!”.
“Era o John. Deve estar na areia me procurando. Ele não tem o hábito de vir à praia, mesmo morando tão perto. Ele é mais inglês do que carioca”.
“Água, água, água! Coca-cola! Guaraná!”.
“Por que o seu amigo é tão mal humorado?”.
“Não fale assim dele, doçura. O John só precisa se soltar mais. Com licença. Oi, John, sou eu... está me ouvindo?... sim, estou, no mesmo lugar... sim, em frente à mesma barraca, só que mais perto do mar. Ah, vi você! Olha para a sua esquerda!”.
“Adoro o seu sotaque, sabia? Aliás, gosto de você todo!”.
“Olha a esfiha árabe. Delícia! Delícia! Esfiha, kibe!”.
O inglês sorri para esconder uma pitada de constrangimento. Nem de longe sente o mesmo pela moça. Tati é a terceira garota que conquista em uma semana, “não imaginei que as mulheres da elite carioca gostassem tanto dos estrangeiros”. Não demora, João e Flavinha (hipertexto, mulher inclassificável) se aproximam de Stanley e Tati, seguidos por Tonho (hipertexto, 44 anos, sete trabalhando na praia, diabético, sujeito batalhador de coração dividido entre dois amores, a filhinha de quatro anos chamada Laís que vive com a ex-esposa e, cante com ele como se estivesse no Maracanã, palmas lá no alto: “E ninguém cala esse nosso amor/E é por isso que eu canto assim/É por ti, Fogo!”. Lindo! Emocionante! Mas como sofre o pobre diabo! Tem coisas que só acontecem ao Botafogo!) que carrega duas cadeiras de praia e uma barraca.
“Aqui está bom, patrão?”.
“Bota um pouco mais para cá! Não! Não! Mais para cá!”.
“Aqui?”.
“Não, não, aqui!”.
O homem obedece. Pronto. Finalmente, estão o mais próximo possível do que se pode considerar confortável no formigueiro de sensualidade em um dia de verão que é o ponto em frente à rua Joana Angélica na praia de Ipanema...

Continua...

... Cinemateca do Rafa (7)

Nos cinemas, vale muito a pena ver

- O lutador
- Direção – Darren Arronofsky (2008)

A obra desse diretor é marcada pela elaboração de temas complexos como em Pi, Réquiem para um sonho e Fonte da vida, mas O lutador prima pela simplicidade narrativa, apostando na força da história. Sim! O drama do pseudo-herói dos ringues de luta livre, interpretado com incrível sutileza por Mickey Roorke, acometido por uma severa doença cardíaca que o leva a resgatar novos sentidos de existência em substituição aos espetáculos coreografados de delírio e violência. É de cortar o coração a relação do brutamontes com uma filha abandonada há anos e que agora o rejeita. Além disso, a relação ambígua (só o corpo/também a mente) dele com uma garota de programa interpretada pela deliciosa Marisa Tomei dá a dimensão de que o romance nada mais é do que uma idealização no mundo dos homens. Sim, trata-se de um filme de aceitação do próprio caminho!

O sentimento não pode parar!

Veja Family guy, leia Dostoiévski, ouça David Bowie, faça sexo com cuidados básicos, volte sempre ao Fantástico mundo do Rafa!

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Parte 2 de 5 do conto Radiohead na Portela (Psicotrópicos nos trópicos)

De Rafa Lima

De volta à areia, percebe que se perdeu de sua companhia. Não faz idéia de onde se encontram a barraca alugada e a canga da menina que se apaixonou por ele pelo simples fato de ser inglês. Observa a multidão bronzeada, quanta saúde em meio a tanta liberação de pensamentos. O desejo está no olhar. “Abaixo a repressão da libido! Se não tivesse a estátua do Cristo ali em cima do morro, isso aqui viraria uma orgia. Oh, Cristo! Por que não?”. Stanley ri. Caminha por espaços sinuosos, chuta areia por descuido sobre uma morena linda “que biquini, que rabo!” e pede desculpas em português carregado, evita o choque com uma barraca colorida, mas esbarra em um sujeito mal encarado, tendo que recorrer ao novo idioma mais uma vez, observa as pessoas e nem desconfia de que está numa faixa da areia dominada por pequenos traficantes querendo bancar os playboys, move-se mais um pouco, ouve alguém falando o novo idioma e pára para tentar entender o que dizem: “Papo sério, mermão! Papo sério! Vasco e Flamengo é que é foda! O Fla-Flu já não tem tanto charme. O Fluminense só ganhou tanta moral lá no passado por causa do Nelson Rodrigues”. “Você está pirado, Xereca! Que papo é esse de passado? O século é vinte e um, porra!”. “O Nelson Rodrigues foi o maior talento do Fluminense do passado”. “Tá viajando, Xereca, tá viajando! O cara nem era jogador! Era escritor de sacanagem”. “Que ignorância, Frangolino! O cara era foda! A sua irmã se amarra nele”. “Olha o mate! Olha o galão! Olha o mateeee!”. “Não mete minha irmã na história!”. “Mas o que eu estava dizendo antes é que hoje em dia é diferente. O Maraca com Vasco e Flamengo é foda, mermão! Vasco e Flamengo é foda!”, mas como Stanley não entende bem a conversa dá mais uns passos para se afastar de um vendedor vestido de árabe que carrega um isopor e que passa berrando ao seu lado e se surpreende, “como tem mulher aqui! Por que será que tantas pintam o cabelo de loiro?”, é a região onde se encontram os grandes playboys querendo bancar os traficantes. O cheiro é inconfundível. Stanley se diverte muito. Quanta gente! Que fauna! Que flora! “Aquela bunda tem vida própria. Por sorte, não paga imposto”. Ho, ho, ho, hi, hi, hi, ha, ha, ha! Stanley está perdido na praia. “Por que não sinto tanta liberdade de espírito em casa?”. Ah, liberdade! Liberdade, essa putinha! Stanley está doidão! “Stanley!”, de repente, ouve uma voz feminina chamá-lo. “Você se perdeu?”.

Continua...


... Cinemateca do Rafa (6)


- Quase famosos

- Direção – Cameron Crowe (2000)

Em tempos de shows megalomaníacos, o retrato de uma banda que floresce rumo ao sucesso/fracasso/negação do sonho/estrelato se constrói sob o olhar de um jornalista adolescente viciado pela música que viaja junto no ônibus durante a turnê no início do anos 1970, quando o Rock ainda tinha o direito de ser mistificado, mas o que interessa é o elemento humano, o potencial libertador da arte, o deslumbramento apaixonado da groupie pelo ídolo enquanto o jovem jornalista vê espelhado na bela Penny Lane o mesmo amor. A trilha sonora é do caralho, The Who, Beach Boys, Led Zeppelin, Lynyrd Skynyrd, David Bowie, Simon & Garfunkel e muito mais. De fato o Oscar de roteiro original a Cameron Crowe foi merecido por conceber uma fábula de tempos onde o sonho não soava tão préfabricado.

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... Futebolé (6)


- Quem diria que no azarão Resende residiria a justiça no campeonato carioca. Depois da palhaçada jurídica que fizeram com o Vasco, o torneio não merecia nada além disso. Que o Fluminense, que outrora lambia as botas do Vasco, vá para o inferno!
- Os clubes cariocas precisam perder a mentalidade provinciana e se unir em torno da idéia de fortalecer o futebol do Rio de Janeiro. Se for cada um por si sempre, muito em breve, todos terão freqüentado a série B (mais de uma vez).
O sentimento não pode parar!
Veja Simpsons, leia Nietzsche, ouça Beatles, faça amor, que 2009 seja felizmente fora do comum, volte sempre ao Fantástico mundo do Rafa! Veja Pessoinhas abaixo.


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Enquanto isso em Pessoinhas

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