Parte 4 de 4 (Final) do conto O premiado

De Rafa Lima

“Eu as invejo. Que firmeza de sentido!”, sussurra.
“Como é possível?”, ela o surpreende.
“Fernanda do céu! Não estou interessado em um ataque cardíaco”.
“Não mude de assunto. Como é possível que você inveje duas freiras? Ficou doido? Você é um dos maiores criadores desse país. Por que invejaria uma fé baseada na ignorância e na cegueira das pessoas que se sustenta através dos séculos com uma mitologia que se repete ad infinitum?”.
O diretor ri de modo singelo ao perceber que a declaração inflamara o espírito da atriz.
“De que me adiantam tanto glamour e tantas idéias originais? Talvez eu esteja interessado em uma vida menos complexa. Talvez eu

deseje uma vidinha bem simples. Quem sabe, casa, mulher, filhos, rotina, passeios no zoológico, filmes arrasa-quarteirão na tarde de domingo?”.
“Mas pelo que li a seu respeito você sempre rejeitou quase todas essas coisas! Está pensando em abandonar o meio cultural? Quem seria a sua mulher?”.
Heleno pensa a contragosto na ex-esposa Ella Benarrivo, que o trocou por um juvenil astro do Rock, também premiada pela atuação como filha do deputado no filme. Não quer pensar nela, ato defensivo, mergulha em uma memória afetiva, em certas tardes, em vez de almoçar, Ella e ele faziam amor por horas e depois esgotados adormeciam. Ao despertar estavam cegos! Ao menos era o que parecia, pois a noite chegara, envolvendo-os com tamanha escuridão que destoava da felicidade do momento, Ella se erguia, reclamando, “sempre eu, sempre eu que levanto”, e acendia a luz do quarto, sim, sim, ainda videntes, ainda nus. A felicidade a dois se perde no momento do ato para ser descoberta para valer muito tempo depois, in memoriam. Heleno está fodido, artista premiado de coração partido, ho, ho, ho, hi, hi, hi, ha, ha, ha, “se Ella não se separar rapidinho, rapidinho do pirralho, espero que morram em algum acidente!”.
“Ei, Heleno, ainda estou aqui!”, chacoalha-o Fernanda. “Responda!”.
“Nada disso realmente importa. Apenas tive um momento de epifania, quando avistei as freiras”.
“Momento de quê?”.
“Existem obras de arte que de tão espetaculares ridicularizam e confundem o próprio autor”.
“Sente-se assim agora?”.
“Na verdade, só queria que os meus filmes fossem vistos e desejados por pessoas como aquelas freirinhas”.
“Oh, vem cá, meu amor, vem cá! Você é um homem e tanto”.
De repente, um odor invasivo de fritura toma o olfato do diretor, afastando-o da catequese sonhadora. A arte, também asquerosa e atraente, impregna o ambiente tanto quanto, quem sabe ainda mais, “a arte está para o sonho assim como a fritura está para a carne exposta ao óleo quente na frigideira”.
“Que história maravilhosa estaremos perdendo, Fernanda?”.
“O que quer dizer, querido?”.
“De onde vem esse cheiro?”.
“Não estou sentindo nada”.
“Quem estará fritando bifes no oitavo andar de um hotel às seis horas da manhã?”.

Fim


O sentimento nos trouxe de volta!
O futebol carioca unido é muito mais forte! Parabéns às torcidas da cidade maravilhosa pelo espetáculo que têm apresentado nos estádios.
Eu amo o Rio de Janeiro, é bom demais ser carioca.

Veja filmes de Akira Kurosawa, leia Lewis Carroll, ouça John Willians, faça sexo com cuidados básicos, volte sempre ao Fantástico mundo do Rafa!


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