Final – Parte 6 de 6 do conto (em repeteco a pedidos) Deus desnudo

De Rafa Lima

Contragosto

Deus retorna à morada celeste, esquecera a televisão acesa, sim, sim, espera com avidez pelo momento em que conseguirá se libertar das formas humanas. Nunca entendeu o objetivo dos homens, talvez seja vingança pela Criação, por que torná-lo humano para abandoná-lo na essência profunda e apenas utilizá-lo como mecanismo de dominação? Se não fossem pela televisão e pelo amor, Deus cogitaria a idéia de suicídio. Deus não aprendeu a fazer amigos, vide o Diabo. Deitado, nu, com o controle remoto na mão, mas com controle pequeníssimo das próprias escolhas, “maldita hora em que inventei a ironia”. Deus sente tédio, porque a vida humana se constitui do vazio mais todos os paliativos por trás de onde as pessoas se escondem para evitar encará-lo. O ser humano é o carioca universal, “é bom demais ser carioca, por isso, eles são tão metidos”, Deus cospe no prato em que comeu, não quer mais ser carioca, brasileiro, americano, cristão, muçulmano, terráqueo, humano, Deus está melancólico. Talvez uma pequenina maldade ou uma batalha épica no estilo da barbaridade européia o animassem, mas, é sério, Deus não mais se interessa pela crueldade dos felizes. Reconhece em Si como é exibida a paudurescência dos vencedores. Deus sente sono, muito, muito sono, “como se livrar dessas identidades humanas de araque?”. Entre-sonho, “mais interessante é a cópula das baleias”. Deus sonha que todas as mulheres estão grávidas para sempre. Surpresa, é um pesadelo!, o ser humano é feliz, apesar da vista grossa autodestrutiva, e ri descaradamente, chamando Deus por vários nomes, sobrepujando o Criador, manezão, humilhando-o como uma criança mais velha faria a outra muito menor, “lá, lá, lá, lá, lá, lá”, o ser humano entope a boca divina com areia, Deus engasga, não respira, desespera-se, tenta tossir, não consegue, vai morrer, é humano, porra!, “socorro!”, Deus desperta com o coração acelerado, mas em absoluta contradição dá graças a Deus por ser apenas um sonho, ainda estar vivo, nu e tão apegado à idéia de aprender a ser humano.

Fim



(mas Deus aprisionado na carne do supermacaco voltará em breve em novas aventuras)



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Parte 5 de 6 do conto (em repeteco a pedidos) Deus desnudo

De Rafa Lima

Cigarrinho do tabaco eterno

Deus goza, a menina está apaixonada, o brinquedão e a caixota, Ele olha para a estante de autores. De repente, encontra o Grande Livro, Deus percebe o conteúdo da Bíblia sob a mesma ótica que as celebridades lançam sobre tablóides sensacionalistas que exploram a imagem alheia. É a hora. A menina vai ao banheiro. Deus precisa sair para se livrar da vontade de estrangulá-la por amá-lo tanto sem ao menos conhecê-lo, ao menos ela acredita que assim o seja, amém.

“Vou comprar cigarros”.

“Não demore, lindo”.

Deus não pretende voltar, tanto que à porta do apartamento da menina Ele já se metamorfoseou em mulher, negra e felina. Mais alguns passos, chega ao boteco do senhor Meia-noite de Oliveira.

“Bem-vinda, meu amor”.

“Olá, Meia-noite”.

“Como vai essa belezura?”.

“Assim, assim”.

“Problema com homem, filha?”.

“Estou buscando um novo lugar onde depositar a minha fé”.

“Deus, a humanidade, o amor, o sonho!”.

“Já passei por todos esses”.

“Está escondendo o jogo, filha? Parece tão jovenzinha”.

“As aparências só enganam”.

O silêncio larga o crucifixo no chão.

“Senhor Meia-noite?”.

“Pois não, minha linda”.

“Por que o senhor carrega no canto da boca um cigarro que nunca acende?”.

“Não é assim a vida, minha filha, a eterna expectativa de um prazer que vicia mas que não se completa por inteiro?”.

Deus travestido de mulher acha graça.

“Você é ótimo, senhor”.

“Ótima é você, filha. Veio comprar meus cigarros?”.

“Sim”.

“Tome”.

“Aqui está”.

“O seu troco”.

“Não precisa, senhor”.

“Agradecido”.

“Eu que agradeço. Até”.

“Adeus”.

“A mim”.

“O quê?”.

A jovem de olhos brilhantes já havia desaparecido da visão do senhor Meia-noite de Oliveira.

Continua na parte 6 (final)

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Próxima atualização no domingo à noite.

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