De Rafa Lima
A premiação acontece de modo mecânico, enquanto Heleno se move em pensamentos e memórias, sentado na poltrona. Depois de uma chatíssima cerimônia, com discursos de agradecimento repetitivamente auto-referentes dos eleitos melhor qualquer coisa, melhor não me importo ou melhor que se foda!, Ella Benarrivo é anunciada como melhor atriz do ano pelo filme que Heleno dirigiu. Enquanto ela agradece diante da platéia que a aplaude, “em nome de todos da equipe, é lógico, agradeço muito ao diretor do filme, Heleno Fontenelle” e blá, blá, blá, de repente, Heleno é fulminado por um raio de compreensão do mundo. “O objetivo primário do ser humano é a exploração do outro ser humano, dos empregados, dos inimigos, dos amigos, dos amores”. “Mas o que é isso?”, critica-o o superego. “Desse jeito pessimista, não vai conseguir financiamento para o próximo filme”. Sente vontade de fumar. Há quinze anos não se deixava dominar por tamanho desejo. Ella Benarrivo apareceu na noite de ontem na televisão do quarto do hotel em propaganda, beijando um cartão de crédito. “Mulheres buscam a sinceridade do homem, mas, ato paradoxal, punem de uma forma ou de outra o parceiro sincero demais”. “Cerimônia dos infernos!”. “Agora, você a perdeu de vez, meu velho. Como é possível que essa fedelha que você inventou tenha se tornado tão grandiosa para a indústria num espaço de tempo tão ridículo?”. O melhor ator é nomeado. Não interessa aos negócios nem às emoções. Na verdade, Heleno nunca gostou de atores ou atrizes, a não ser em ação, ou, no caso das atrizes, em ação e na cama, por isso, sempre preferiu filmes muito antigos com a garantia de que o elenco estivesse morto. “Pronto, chegou a hora de fingir satisfação pela alegria de outro diretor, quando na verdade ele nem fede, nem cheira”. Heleno não queria estar aqui. “Ninguém é melhor. Arte não é competição, nem gincana de colégio em traje de gala”. “O melhor diretor do ano é...”, diz a apresentadora do prêmio para se calar de propósito em segundos de suspense, “... Heleno Fontenelle pelo filme Ensaio perverso sobre o tédio!”.
“O quê?”.
“Dá-lhe, Heleno! Parabéns”, abraça-o o produtor.
Uma expressão de incredulidade se faz notar no rosto do diretor premiado, enquanto ele caminha pelo corredor do auditório, um, dois, três degraus, o palco!, a apresentadora, atriz renomada no país todo a quem Heleno não conhecia pessoalmente, entrega-lhe o troféu, “nossa! É pesado!”, “parabéns, Heleno!”, diz ela, após beijá-lo no rosto, ele agradece e enfrenta a platéia de pé que o reverencia com palmas ruidosas. Inesperadamente, Heleno encontra Ella na terceira fileira ao lado do molecote-astro. Por alguns segundos, reconhece um carinhoso olhar de cumplicidade que Ella costumava oferecer a ele em momentos que desejava fazer o diretor se sentir especial. Afinal, Heleno fala.
“Nunca imaginei que estaria aqui. É realmente uma surpresa. Muito obrigado a todos que participaram do filme. Agradeço também a quem assistiu. O prêmio é de cada um de vocês da equipe”.
Pensa em mandar todos para o inferno. “Que bela chance!”.
“Agradeço aos patrocinadores e a todos os acionistas da minha alma. Sem vocês a arte continuaria mendiga! Vamos beber. Talvez hoje a gente consiga uma cirrose”.
A platéia explode em risos.
“Obrigado. Obrigado ao carinho de todos”.
Rapidamente, o diretor cruza o palco e desaparece em uma das coxias. “Talvez eu estivesse errado em desconfiar da inteligência dos cinéfilos. Talvez eles estejam evoluindo e eu nem percebi”, reflete Heleno sem conter um instantâneo sorriso de egocentrismo ao natural. “Melhor do que isso só os antidepressivos”.
O sentimento não pode parar!
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A premiação acontece de modo mecânico, enquanto Heleno se move em pensamentos e memórias, sentado na poltrona. Depois de uma chatíssima cerimônia, com discursos de agradecimento repetitivamente auto-referentes dos eleitos melhor qualquer coisa, melhor não me importo ou melhor que se foda!, Ella Benarrivo é anunciada como melhor atriz do ano pelo filme que Heleno dirigiu. Enquanto ela agradece diante da platéia que a aplaude, “em nome de todos da equipe, é lógico, agradeço muito ao diretor do filme, Heleno Fontenelle” e blá, blá, blá, de repente, Heleno é fulminado por um raio de compreensão do mundo. “O objetivo primário do ser humano é a exploração do outro ser humano, dos empregados, dos inimigos, dos amigos, dos amores”. “Mas o que é isso?”, critica-o o superego. “Desse jeito pessimista, não vai conseguir financiamento para o próximo filme”. Sente vontade de fumar. Há quinze anos não se deixava dominar por tamanho desejo. Ella Benarrivo apareceu na noite de ontem na televisão do quarto do hotel em propaganda, beijando um cartão de crédito. “Mulheres buscam a sinceridade do homem, mas, ato paradoxal, punem de uma forma ou de outra o parceiro sincero demais”. “Cerimônia dos infernos!”. “Agora, você a perdeu de vez, meu velho. Como é possível que essa fedelha que você inventou tenha se tornado tão grandiosa para a indústria num espaço de tempo tão ridículo?”. O melhor ator é nomeado. Não interessa aos negócios nem às emoções. Na verdade, Heleno nunca gostou de atores ou atrizes, a não ser em ação, ou, no caso das atrizes, em ação e na cama, por isso, sempre preferiu filmes muito antigos com a garantia de que o elenco estivesse morto. “Pronto, chegou a hora de fingir satisfação pela alegria de outro diretor, quando na verdade ele nem fede, nem cheira”. Heleno não queria estar aqui. “Ninguém é melhor. Arte não é competição, nem gincana de colégio em traje de gala”. “O melhor diretor do ano é...”, diz a apresentadora do prêmio para se calar de propósito em segundos de suspense, “... Heleno Fontenelle pelo filme Ensaio perverso sobre o tédio!”.
“O quê?”.
“Dá-lhe, Heleno! Parabéns”, abraça-o o produtor.
Uma expressão de incredulidade se faz notar no rosto do diretor premiado, enquanto ele caminha pelo corredor do auditório, um, dois, três degraus, o palco!, a apresentadora, atriz renomada no país todo a quem Heleno não conhecia pessoalmente, entrega-lhe o troféu, “nossa! É pesado!”, “parabéns, Heleno!”, diz ela, após beijá-lo no rosto, ele agradece e enfrenta a platéia de pé que o reverencia com palmas ruidosas. Inesperadamente, Heleno encontra Ella na terceira fileira ao lado do molecote-astro. Por alguns segundos, reconhece um carinhoso olhar de cumplicidade que Ella costumava oferecer a ele em momentos que desejava fazer o diretor se sentir especial. Afinal, Heleno fala.
“Nunca imaginei que estaria aqui. É realmente uma surpresa. Muito obrigado a todos que participaram do filme. Agradeço também a quem assistiu. O prêmio é de cada um de vocês da equipe”.
Pensa em mandar todos para o inferno. “Que bela chance!”.
“Agradeço aos patrocinadores e a todos os acionistas da minha alma. Sem vocês a arte continuaria mendiga! Vamos beber. Talvez hoje a gente consiga uma cirrose”.
A platéia explode em risos.
“Obrigado. Obrigado ao carinho de todos”.
Rapidamente, o diretor cruza o palco e desaparece em uma das coxias. “Talvez eu estivesse errado em desconfiar da inteligência dos cinéfilos. Talvez eles estejam evoluindo e eu nem percebi”, reflete Heleno sem conter um instantâneo sorriso de egocentrismo ao natural. “Melhor do que isso só os antidepressivos”.
Fim
........... Em breve, O premiado ...........
O sentimento não pode parar!
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8 comentários:
Você me irrita e fascina com seu sarcasmo afetuoso e com a capacidade que tem de surpreender mesmo quando a ação está congelada. Adorei o final. É muita ironia para uma pessoa só. Beijão. O premiado é o que? Continuação?, hahahahaha.
badass motherfucker, está cada vez melhor. Abraço.
Rafa, parabéns por um ano de blog! Leitura boa, engraçada e sarcastica de graça sempre é bom! Vamos em frente com mais texto, afinal como já disse você: "Calma gente que o petróleo é nosso". Jo vive repetindo isso agora e eu perdi ao vivo..um beijo querido! parabéns!
gabi
Parabéns
Happy Birthday!!!
Parabéns direto do Oriente Médio, não é todo dia que se recebe, hein queridão!
Te amo irmão, muito mais sucesso pra você no blog!
Abrá!
Em tempo: no aguardo do meu comedy script. Promessa de meses, só quero ver quando chega aqui nas arábias...
Acho que tem vírgula demais no meu comentário aí de cima... Enfim...
Já era. ;)
Adoro tudo o que inventa! Bonzão!
Parabéns Rafa!!!!
Achei muito legal e bom de visualizar. Eu consegui imaginar cada expessão do personagem e isso me aproximou da história.
Grande beijo!
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