Parte 4 do conto Meu bebê

De Rafa Lima

No capítulo anterior

... “marido?”, “sim, menino, está com medinho?”, “você tem marido e quer ficar grávida de outro? Está louca?”, “o filho é meu, o pai não interessa mais”, “que absurdo!”, “será?”, “é melhor você ir embora!”, ela se enfurece, “você não se cansa de pensar sempre as mesmas coisas?”, “que papo é esse? Não somos nada um do outro. Vamos nos comportar como se nada tivesse acontecido, ok?”, quanta decepção Alice Holanda guarda em seu íntimo pelos homens, “meninos, meninos, sempre tão meninos!”, veja, Wendy, é o Capitão Gancho, ho, ho, ho, hi, hi, hi, ha, ha, ha.

Continua...

Parte 4

Nem todos! (Existem os que fingem bem), Alice Holanda encontra um homem, nada menino, terceiro amante, tempo, agora, amigo e cúmplice, “os animais castrados são mais calmos, vide a religião”, ele ri do próprio comentário com gosto, ela se diverte com a auto-suficiência do novo sujeito objeto de observação que segura a coleira do animal a quem a mulher acaricia, “muito bonito o seu amigão aqui”, “obrigado”, “gosta de cachorros?”, “cada vez mais”, ele percebe a sutileza da provocação, cérebrão, cérebrão, cara ligado nos sinais femininos, “mora aqui perto?”, “sim e você?”, “também. Como é o seu nome?”, “Alice e o seu?”, “Lewis Carrol”, ele ri de si mesmo, ela não entende, “como?”, “brincadeira, eu me chamo Liam”, “nome inglês?”, “pois é, meu pai”, “mãe brasileira?”, “oh! Yeah! Mas nasci aqui, sou fã do Cartola”, “que bacana! Adoro misturar culturas”, “verdade?”, “pois é”, “Alice, quer tomar um suco ali na esquina comigo e com o Paul?”, ela se empolga, “adoraria”, Alice Holanda se interessa mais e mais por ele ao folhear livros retirados da estante do homem solteiro a quem conheceu na rua e ler diversas partes sublinhadas com caneta marca-texto verde fosforescente, “quem é Salman Rushdie? Como quero conhecer mais”, cada frase que Alice Holanda percebe em destaque corresponde a uma flechada romântica involuntária, “quantos livros! Ninguém tem tempo de ler tanto assim. Para que servirão?”, (fogueiras? Uma fogueira de livros pode queimar muitas bruxas), a sala do apartamento quase não tem móveis, só um sofá e estantes com livros, “como é possível um europeu ser tão desapegado?”, Alice Holanda está viciada nas substâncias químicas que o organismo produz em larga escala durante o período inicial de uma nova paixão, “ih, danou-se!”, ele a pega pela mão, carinho, ele a afasta do ressentimento que silenciosamente cresce por dentro, ele desmonta a dor de menina mimada sempre acostumada a ter tudo à disposição, puxa isso aqui, bota ali, mistura um pouco cá e acolá, agita, aquece, lubrifica, então, a alma molhadinha, existência ressignificada, que delícia de expedição, exploradores da pirâmide do ego, “bom demais, como ele me entende”, mais Alice! do que nunca, ele conhece a insatisfação dela, ela quer ser gente, gentona, quer ser admirada e quer ser vida, vida-além, “vem reinventar a felicidade, vem comigo, Alice”, estou atrasado, estou atrasado, descem pela toca do coelho, o sorriso, o gato, o chá com o chapeleiro louco, a disputa com a rainha de copas, o gozo, zero vírgula zero zero zero um do simulacro rascunhado da amostra grátis do todo-universo, aquele por falta de melhor nomenclatura chamado de divino, ela, constelação, ele, cometa, “faz um filho em mim”, “faço”, ela se espanta, “faz?”, “faço”, tempestade cósmica, “grande demais, grande demais!”, implosão, a morte de uma estrela, tempo, tempo, tempo, o tombo do tempo, que impacto!, o gigante também cai mas o ser humano não vê, ela foge do amante galáxico, porque tem medo de nunca retornar à Terra, como tudo aconteceu tão rapidamente?, cosmonauta?, de tal forma que se perdeu de si mesma, “por que me reafirmo enquanto existência através do sentimento pelos homens?”, quer se convencer de que prefere as sensações calculadas, pés no chão, que divide com o marido ou os amantes sexuais, mais convenientes, cálculo básico, Alice Holanda (foge da Alice) corre pelas ruas em lágrimas porque quer extirpar o amor de tantas dimensões por aquele homem-Júpiter!, “pára, mundo, pára de girar!”, mas o planeta não dá ouvidos a ninguém, Alice Holanda, além da anestesia do cotidiano, esqueceu-se das regras de comportamento moral, “estou intoxicada de sentir, mas não era isso que eu queria? Não, quero um filho!”, lembra-se e amaldiçoa o efeito das palavras de Tchuco, o vocalista carismático, quase messiânico, do maior fenômeno fonográfico dos últimos anos, a banda Sêmen THC, na última entrevista que o ídolo da juventude concedeu antes de desaparecer, “a maioria das mulheres que conheço não se libertou da opressão social com que foi educada e por essa razão ainda utiliza o sexo como substituto à tristeza”, assim uma explosão de novidade foi ouvida dentro da então esposinha resignada (quantas mudanças!), mas afinal de contas o que astros do Rock sabem sobre a vida?, no caso de Alice Holanda, o bastante.

Continua...

8 comentários:

Anônimo disse...

Sob os cuidados gráficos de Vitor Lear, mermãozim de sempre, o Fantástico mundo do Rafa só melhora! Nessa semana, a minha parte favorita do conto Meu bebê, Alice encontra o seu país das maravilhas!Na semana que vem, a estréia da Cinemateca do Rafa e dos comentários irônicos de futebol em Futebolé! Não percam!

Anônimo disse...

É lógico que foi erro meu, Vitor Lear?, tipo Rei Lear do Shakespeare?, nada disso, Vitor Leal, valeu, mermão.

Mira disse...

Gostei do "New Visu"!!!
Show! Precisamos divulgar mais pras pessoas também terem o prazer de ler seus contos!
Bjs, Mira

Unknown disse...

Prazer? Pffffffffff... Passa amanha! hehehe... É isso ai!

Anônimo disse...

Mais Alice do nunca! Vale cada uma das linhas, obrigada, você escreve bem demais, adoro os seus textos e por tabela você, beijo.

Anônimo disse...

obrigado, Vitor, mermãozim!

Anônimo disse...

No próximo domingo, estréiam FUTEBOLÉ, comentários irônicos sobre futebol, e CINEMATECA DO RAFA, com análises de filmes fora do comum, sem falar na parte 5 de MEU BEBÊ, não percam!

Camila Soares disse...

A Alice é muito mais louca do que eu poderia imaginar e to adorando isso. Dei algumas arregaladas de olhos e risadas com a parte 4. Tá só melhorando. Viciante... não para não para não para NÃO!