Trecho 2 do romance: O Pervertido

De Rafa Lima

A noite em que o desejo livre beira o desespero (Partes 33-36)

33.

Sim, sim, de que servem as borboletas se morrem tão rapidamente, desinventando o colorido do amanhã? Ele prossegue com a corrida para escapar do inesperado momento de vida que abruptamente o agarrou pelas costas. Sente agonia. Encontra-se em estágio avançado de revolta emocional contra o horizonte. Por enquanto, o pervertido consegue fugir do mata-leão que o destino tentou lhe aplicar. Sendo assim, corre para se proteger e continua correndo mais e mais para longe dali sem prestar atenção ao ambiente ao redor. Corre, pois a vida se moveu para uma nova fase à revelia da vontade dele. Corre, porque quer se afastar com uma pressa gritante do passado recente que em todos os lugares o persegue a lhe baforar sobre o cangote o sopro quente e ácido de sentimentos destruídos. Corre, pois gritar, bater e quebrar não funcionaram.
As pessoas nas ruas observam com estranha curiosidade aquele indivíduo amalucado que corre sem cessar e que às vezes escapa de se chocar, às vezes esbarra nos outros (ou seja, no segundo mendigo da noite que grita “Oh, seu doido!”, na velhinha de passo lento que se indigna e diz “Que falta de respeito!”, na madame metida à besta cheia de sacolas de lojas caríssimas que por temer a aproximação de ladrões exclama “que susto!” e em outro louco que corre na direção contrária e por segundos troca olhares de cumplicidade com ele para acabar berrando “vá pro inferno!”) ou em objetos (latas de lixo, canteiros de plantas, carros e motocicletas, barraquinhas de vendedores ambulantes...) que se atrevem a cruzar o caminho. Por longos minutos, a existência ganha a dimensão de uma imensa corrida sem rumo definido ao se mover pela pista de piso irregular que leva ao esquecimento. (Mas quem está isento de atravessar determinados instantes de total miséria emocional?). Entretanto, agora, o pervertido não se interessa pelos outros. Ele só quer deixar a vida anteriormente planejada para trás. Deseja categoricamente eliminar do pensamento as promessas de um futuro sereno e tranqüilo ao lado dela. Corre ainda mais. As pernas doem muito. Só reduz o passo quando um pensamento lhe invade a mente, proporcionando-lhe um certo alívio.
“Preciso gozar”, conclui. Pára de correr. As pernas parecem pesar toneladas. Olha ao redor. Está em uma movimentada rua cujo nome desconhece. Não faz idéia de como pode realizar o objetivo desavergonhado sem se comprometer ainda mais. Por que foi necessário que ela o deixasse abandonado desse jeito? O pervertido sente algo que se assemelha à manifestação física da violência cármica. “Mas Papai Noel eu fui um bom menino! Eu não mereço isso!”, poderia ser o seu lamento.
“Foda-se! Deixa para lá!”, prefere dizer ao tentar se convencer pela décima quinta vez de que vai superar os eventos ainda tão recentes na carne, na mente, na alma e na linguagem. O sol se retirou da cidade há pouco tempo. As raras mulheres nas proximidades caminham em ritmo acelerado por perceber que a noite sente muita fome hoje. O estômago noturno está roncando. Em silêncio, elas se assustam com a vibração no ar, uma espécie de carga elétrica invisível liberada por corpos daqueles cujo desejo foi drasticamente reprimido ao longo do dia. Temendo até mesmo a troca de olhares com indivíduos estranhos, as mulheres que se encontram no campo de visão do homem de beleza notável diante delas agem como se estivessem em constante fuga do que não conhecem, enquanto ele tenta com aflição extrema sem que o público feminino desconfie realizar uma ruptura com a nova realidade que se esforça em agredi-lo. Neste momento, o pervertido se satisfaria com qualquer uma das moças ao redor. Frenético, imagina um banquete de bocetas. Diferentes raças, tamanhos, gostos, penteados, níveis de lubrificação. Contudo rapidamente as mulheres desaparecem. “O mundo me considera um predador”, constata em tom sombrio.

2 comentários:

Anônimo disse...

O que há com as pessoas que ainda não leram a parte 2 do pervertido? Estão assustadas com ele?

Anônimo disse...

Sabe quando você prende o ar e arregala os olhos - as palavras somem - esperando o que de pior (ou melhor) ainda pode acontecer depois de alguma surpresa?

É isso!

(Que ansiosa, blerg! rs! Quero mais!)

Beijo!