De Rafa Lima
A linguagem se mostra feminina
Deus está mudado. Após o princípio moralista, enveredou por séculos pelo caminho libertino, Deus sob pele de cordeiro (de Deus), a paixão e o amor. Quando se viu destituído da função soberana do Universo, após a maracutaia humana, Deus se lançou às experiências sensoriais criadas por quem Ele criou, “a paixão se dá pela urgência do vômito, o amor pela paciência da digestão de uma suntuosa feijoada, vomitar proporciona tonteiras, enjôos e alívio no fim, digerir pode causar sonolência”. E tome pé-na-bunda divina desacostumada ao que é descartável. Mesmo assim, houve época em que ficou viciadão em sexo. Por ter sido aprisionado no planeta dos homens, Deus se viu diante do desafio de preencher as horas seculares de vazio em solidão divina. Enquanto buscava amores e fodas, amores tão intensos que a pornografia se envergonha, uma vez que já se cansara da grandeza espiritual e toda aquela pompa, desocupado mas com excesso de criatividade, tornou-se o inventor de expressões idiomáticas que todo mundo conhece mas ninguém sabe de onde, “chegou a hora de a onça beber água”, “aí a gente vai ver quem tem mais garrafas vazias para vender”, “malandro é o cavalo marinho que finge que é peixe para não puxar carroça”, “o amor é uma flor roxa que só nasce no coração dos trouxas”, nada disso, nada disso, “o amor é uma flor roxa que começa na boca e termina nas coxas”, oh, deus, as mais recentes em temporada no Rio de Janeiro, sínteses eloqüentes da objetividade petulante do carioca tomada pela realidade das favelas, “já é”, “perdeu, playboy”, “fala tu”, entre outras, de ditados populares, “quem não chora não mama”, “feliz foi Adão que não teve sogra”, “em rio que tem piranha jacaré usa camisinha”, “quem tem boca vai à Roma”, ah, se você soubesse o contexto dessa, de palíndromos, que na língua portuguesa, idioma novinho, com frescor, elaborado, cheio de variações, revelou-se uma brincadeira deliciosa descobrir palavras e frases que possam ser lidas da mesma maneira tanto da esquerda para a direita quanto da direita para a esquerda, “anotaram a data da maratona”, “ovo”, “ovo é ovo”, “Ana”, “Ana é Ana”, “a torre da derrota”, “anilina”, “somávamos” e o espetacular “socorram-me subi no ônibus em Marrocos”, de um lado para o outro do outro para o um, delícia!, e, nos últimos tempos, de marchinhas carnavalescas, quem mandou dizer que Deus é brasileiro?, Deus produz cultura supérflua para o imaginário das multidões enquanto espera pelo sexo que sempre aparece, “oh! Belezinha!”, Ele inventa porque “cabeça vazia é oficina do Diabo”.
Amigos, amigos, negócios falidos
Deus escuta a campainha do microscópico telepata celular que carrega no bolso. É só falar no Diabo. Deus se emputece, “o que será? Não sou mais onipotente, porra!”, atende ao aparelho.
“Qual é o problema, Lúcifer?”.
“Calma, marido traído, calma!”.
O Diabo quer discutir questões jurídicas, como sempre, “vai gostar de tribunal assim lá em Washington!”, algo sobre um conceito de divisão territorial no terceiro milênio da giga-era cristã chamado Deus e o Diabo na Era digital”. Deus se entedia.
“Já falei que assuntos dessa natureza são perda de tempo. Vivemos em uma época diferente, meu querido”.
O Diabo reclama, insiste, como sempre.
“Você devia arrumar uma namorada, demônio”.
“Eu tenho várias”.
“Uma de verdade, que vire você do avesso!”.
“Não perco tempo com balelas”.
“Você é quem sabe”.
“Não torra, manda-chuva do nada!”.
Desligam, “pobre Lúcifer, não aceita que ele e Eu fomos passados para trás pela humanidade”.
Continua na parte 5
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Próxima atualização no domingo à noite.
Volte sempre ao Fantástico mundo do Rafa!
4 comentários:
Como você escreve bem, é mesmo um prazer ler as suas histórias!
Esse Deus é demais!
Ah, o Dúbio também é fóra de série!
UI!!!!!!!!!!!
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