Parte 7 do conto Meu bebê

De Rafa Lima

No capítulo anterior

... “sou boa demais, mas ninguém é bom o bastante”, alegra-se, não imaginava que o novo homem fosse assaltá-la, o brutamontes preferiu a bolsa recheada a uma bocetinha chorona, soco na face, ela despenca, não grita, porque não mais se culpa, sente dor nos joelhos ralados, sem dar indícios do crime sofrido, no rosto frieza que se aprende, Alice Holanda retorna ao lar, marido e filha dormem em paz, “bons sonhos!”, a ironia, descobriu de onde vem o seu poder, “banalizei os meus amantes, preciso reinventar os homens”.

Continua na última parte...

Parte 7 (Última)

Mas o teste, atraso, tremor nas mãos, “os sintomas são claros, agora, vai, agora, vai, não é possível que seja outra promessa fajuta”, já estava quase desistindo, positivo, “positivo, positivo, positivo!”, Alice Holanda exulta, comemora, transborda, sozinha e descalça, o chão frio, a alma febril!, o momento é dela!, o universo em um segundo, logo, a despedida, “está chegando a hora”, ela vai à palestra de Michelângelo Poyares, sociólogo sarcástico, porque quer olhar uma última vez para Liam, o amante galáxico, o terceiro da lista dos segredos, mas o melhor de todos!, ela o observa de longe, sem se deixar notar, ao mesmo tempo em que ouve as provocações, “no mundo atual, paradoxo total, o desejo de gerar filhos é um ato de egoísmo contra a humanidade, em favor da individualidade e do modelo familiar enquanto sustentação do sistema econômico. A superpopulação é causadora da hiperviolência, do desemprego, da escassez de recursos naturais, do aquecimento global, etc, etc e mãe de todas as etcéteras”, garante Michelangelo diante dos olhares de admiração da platéia formada em maioria por seguidores-quero-o-seu-lugar-professor, “que se dane! Eu nasci para ser mãe de um menino!”, confronta em si mesma Alice Holanda, em alguns dias, vai receber a notícia de que vai ser mãe de um menino, Juninho vai ficar tão feliz!, afinal, o que sabe ele?, a vida de Alice Holanda vai voltar a ter responsabilidade, importância e correção, “adeus, farra! Vou-me embora cuidar do pequenino deus que carrego em meu ventre e em breve vou trazer à vida”, o superego contra-ataca, “embora que se exploda o mundo”, diz o sociólogo sarcástico Michelângelo Poyares na mente da mulher grávida, mas ela reage, força, menina, força, “ele não conhece a grandeza do amor de mãe, nem de pai, pois não tem filhos!, o que sabe afinal do assunto?”, senhoras e senhores, nada de fogueiras!, ela abandonou a bruxaria, curada!, está finalmente livre de todos os males, palmas?, palmas!, isso!, assim!, sejam exagerados, de existências hiperbólicas, come, come, come, sigam os desejos planejados pelo pac-man existencial que guia as nossas escolhas, já está tudo pronto!, acomodem-se, chega de invenções, nada de vidas desreguladas, tudo pronto!, para que perder tempo?, lendo livros por exemplo, tempo é dinheiro, dinheiro é mato, (tempo é mato?), já está tudo decidido, o sentido da vida é a conquista para se exibir, “eu consegui, olhe aqui!, eu consegui!”, vejam que belo!, vislumbrem Alice Holanda, a mulher mais feliz do planeta nesse exato momento, planeta umbilical, nasceu!, nasceu!, nasceu!, charutos para todos, bem-vindo à manjedoura, pequenino, estranho seria se viesse outra menina, ho, ho, ho, hi, hi, hi, ha, ha, ha, sinto que se aproximam três reis magos com presentes, bom presságio, você está protegido, meu querido, jamais sentirá medo da escuridão e da falta de sentido, nada disso, nada de pensamentos extravagantes para você, já está tudo pronto, tudo certinho, o azul é a cor dos meninos, nada de liberdade, aquela putinha oferecida, o sentido é você, vocêzinho, vocêzão, dubiduba, “oh, meu bebê! A mamãe está aqui”.

Fim

7 comentários:

Diana Gondim disse...

cara, no final acho que fiquei com medo da alice holanda, hehehhee

Tiago Pereira disse...

Feliz, mto feliz! É assim que me senti qdo terminei de ler o seu conto. Talvez pelo sucesso em dissecar o psique neo-indie-feminino, mas com certeza pelo "dinheiro é mato". Pronto! Já sou eterno. Mto grato, meu amigo.
Tiaguinho
ps.: se rolar dinheiro, que entra nessa, blz?

Tiago Pereira disse...

errata:
ps: se rolar dinheiro, quero entrar nessa, porra! :)

Anônimo disse...

Tb muuuito feliz, o conto da Alice me motivou pela escrita mas também pela ousadia, coisa rara agora, qual será o próximo? Que sejam tão bons quanto esse!

Anônimo disse...

"...Ela foge do amante galáxico, porque tem medo de nunca retornar à Terra..."

"... vem reinventar a felicidade, vem comigo, Alice..."

"...ego megalomaníaco ferido..."

"...o cinismo é um protetor violento, morde-assopra (...) a solidão é fada madrinha..."

"...quer se convencer de que prefere as sensações calculadas..."


E por aí vão todas as partes que eu vou grifando (rabiscando minhas próprias alucinações e confusões em cima, do lado).

Me surpreendo com sua facilidade em traduzir nos detalhes (os tais que eu adoro!) o fantástico mundo das mulheres e comprovar que nossos castelinhos talvez sejam mesmo de areia! (rs...)

Beijo,

Mari

Anônimo disse...

Mais! Mais! Mais!

Anônimo disse...

no fim alice holanda não parece ter aprendido nada!!! que final ótimo! ahahhaha nenhuma liçãozinha. ela continuou a mesma menina mimada e dessa vez com um prêmio! só por isso gostei mais ainda da mini-saga. e ainda prefiro a filha. vc devia fazer um conto sobre o embate de clarissa com a mãe.