Parte 6 do conto Meu bebê

De Rafa Lima

No capítulo anterior

... o marido baixa os olhos, escolhe as palavras, prepara-se para o que vier, vai, vai, vai, “você tem outro?”, Alice Holanda se espanta, hesita, “não tenho mais ninguém, nem a mim mesma”, Juninho concorda, Clarissa abre o berreiro, marido e mulher trocam olhares como se não existisse o resto do mundo, há quanto tempo!, momento perecível de eternidade, silêncio-nostalgia, ela se embaraça, ruboriza-se, corta a conexão, ele aceita a condição, “bom passeio, querida”, mas bem que poderia ser “ainda amo você, menina” ou “vê se não enche a porra do saco!”, múltipla escolha.

Continua na penúltima parte...

Parte 6

A noite compreende as motivações de Alice Holanda, por alguns momentos fora do esquemão, “mas agora é tarde, filhota”, “será?”, “você também sentiria falta de tudo de bom que conquistou durante o caminho que no momento renega”, “provavelmente”, “você se move pela falta”, “eu?”, “você só dá real valor àquilo que tem chance de conquistar para perder, o resto de nada serve”, “caraca!”, “você é assim?”, “por quê?”, a rua está vazia, a lâmpada do poste de rua se apaga à aproximação da esposinha caótica, ainda delícia?, sim, sim, sim, ego megalomaníaco ferido, acredita-se responsável pelo instante de escuridão da via pública, “que ziquizira dos demônios!”, não crê que a lâmpada simplesmente se queimou, ho, ho, ho, hi, hi, hi, ha, ha, ha, maldição autodivinatória, a prisão do individualismo, dEUs, a moeda terceiromilenar, “oh, não, amor, você não está sozinha! Não seja injusta com tudo o que tem ao seu redor”, ela reconsidera, mas perde as forças, “quero mamar mais para dar de mamar”, gosta da frase que criou, o cinismo é um protetor violento, morde-assopra, “por que acreditar, bobona? Apenas aproveite”, o conto-de-fadas envenena desde cedo, o sonho é vassalo do tempo, tubarão astral, a solidão é fada madrinha, peça a proteção dela, meu amor, Alice Holanda quer se rasgar por inteiro, em pedacinhos, vestir pele diferente, abrir a embalagem de uma nova alma, “perdeu a linha”, dirão, “homens há aos montes, mas de que servem se você não souber se servir deles?”, bravo, bruxa, bruxa!, “salve-se, Alice”, surge o caralho alado, como ele consegue falar?, “esse pessoal se leva muito a sério, valoriza demais as próprias dores enquanto caga para as dos outros”, o caralho alado se vai, “volte aqui, volte aqui”, “estou atrasado, estou atrasado”, ele se foi mesmo, ela decide prosseguir a jornada, “aonde me levar, sair da toca”, abre os olhos em desespero, migalhas, migalhas, esfacelada que se sente, assim, ela conhece Emanuel no metrô, simplicidadiva, “sou boa demais, mas ninguém é bom o bastante”, alegra-se, não imaginava que o novo homem fosse assaltá-la, o brutamontes preferiu a bolsa recheada a uma bocetinha chorona, soco na face, ela despenca, não grita, porque não mais se culpa, sente dor nos joelhos ralados, sem dar indícios do crime sofrido, no rosto frieza que se aprende, Alice Holanda retorna ao lar, marido e filha dormem em paz, “bons sonhos!”, a ironia, descobriu de onde vem o seu poder, “banalizei os meus amantes, preciso reinventar os homens”.

Continua na última parte...

4 comentários:

Anônimo disse...

Já vai acabar? Adorei essa história, tomara que você já tenha preparado outras com densidade mas uma fina ironia que me faz querer voltar sempre, beijo. O que será de Alice?

Anônimo disse...

Alice no país das maravilhas para adultos! Obrigada, espero mais.

Diana Gondim disse...

fantástico rafa do mundo..

Anônimo disse...

Por que será que apenas as meninas postam comentários sobre esta parte do conto? Será que apenas elas identificam o outro lado do espelho?