De Rafa Lima
“É ele! É ele!”. Gritaria, uma histeria absurda, flashes fotográficos em exagero, correria, confusão, seguranças, barreiras policiais para deter mulheres desesperadas, meninas adolescentes sonhando em perder a virgindade, em dar umazinha ou em casar com o astro e homens invejosos que pudessem atentar contra a vida do ídolo maior da contemporaneidade, a porra toda do circo oficial do mundo do entretenimento musical para a massa.
“É ele! É ele!”. Poeta, conhecedor da alma humana, gênio, modelo estético da ousadia, pica doce! Tchuco, o vocalista carismático, quase messiânico, do maior fenômeno fonográfico dos últimos dez anos, a banda Sêmen THC.
“A minha música não é religião, porra! Parem de me seguir como idiotas!”, esperneava ele, enquanto chutava as fãs que se aproximavam, abrindo caminho.
“Me chuta, Tchuco! Me chuta!”, gritavam algumas.
“Pode bater! Pode bater!”.
“Me morde! Por favor, deixa a sua marca em mim!”.
“Você viu? Ele me empurrou! Ele me empurrou!”.
O carro conversível preto, 129 quilômetros por hora! Três anos representando o ilusório papel de entidade viva da cultura popular enferrujaram os mecanismos internos de vontade própria. Por essa razão, o machado.
“Não se preocupe, putão! O pessoal da gravadora tem tudo pronto. Não vamos ter que pensar em nada. Batalhamos pra caralho para chegar aqui. Agora, é a curtição!”, garantiu Horácio, o guitarrista bonitão, à época de empolgação, quando o sonho de tanto tempo enfim tomava alguma forma real.
“Vou comer todas as minha fãs”, delirava Canhoto, o complexado, repetição ambulante do clichê do baterista bobalhão, oculto dos holofotes pela sombra dos egos dos demais integrantes.
Sêmen THC! Tchuco, Horácio e Canhoto! Gozo tetrahidrocanabinol! Sêmen THC! Que fenômeno de público e de crítica! Que sonoridade! Que conexão com a platéia! Que estouro mercadológico supersônico! Mas Tchuco foi ainda mais longe! Ah, se foi! Puto, puto, puto! Tornou-se no imaginário social um deus da criatividade, do sentimento, da liberdade, uma espécie de Apolo eletrônico com voz encantadora. De tal modo era desejado e querido que passou a ter o direito de determinar normas de funcionamento e critérios de seleção da incrível e invejável série de orgias regadas a quitutes narcóticos, guloseimas psicodélicas e refrescos estimulantes que realizou com modelos, artistas e mulheres de todos os tipos. No entanto, o tempo não se deslumbrou com o mito da indústria e, quando o astro se acomodou no novo cotidiano libertino sem encontrar tanto quanto antes satisfação em sua megalomania, Cronos o levou ao labirinto onde se encontra agora.
O carro conversível preto, 137 quilômetros por hora! O sucesso é uma delícia, mas se torna vazio caso somente se reproduza em si mesmo, sem idéias e movimentos renovadores. “Maldita condição humana que me vicia com suas belezas, neuroses, dores e prazeres, prazeres, prazeres, o quê?, prazeres!”. Que prazer traz o machado.
Durante os shows, Tchuco passou a recorrer a um conhecido truque de vocalistas. “Canta por mim, platéia, que já não agüento mais gastar a minha vontade pela música nessa porcaria que antes me dizia tantas coisas mas que agora é apenas um bagaço de obra sonhada como algo grande”. Cansado da repetição de uma identidade de plástico, doidão, doido de pedra, roubado da própria consciência após receber o baque terrível e dilacerante, que não cicatriza mesmo, que se foda!, o buraco está lá e continua aberto, causado pela inesperada e violenta notícia da morte da mãe em um assalto, a quem propositalmente não via há dois anos, com quem rompera relações para se sentir um homem livre, pois a mulher que o carregou no útero por tanto tempo tentava controlá-lo, protegê-lo, mimá-lo a todo custo, enquanto ele queria ser uma espécie de porra-louca supra-humano sem necessidade de família, Tchuco se vitimizou no espetáculo da vontade própria. Pior para as mulheres que de modo repetitivo mergulhavam nas diferentes e renovadas camas onde o homem-mito se escondia.
“Fora daqui, suas vacas! A sua submissão interesseira me dá nojo! Deixem-me em paz!”.
As mulheres corriam nuas, abraçadas às roupas, e aterrorizadas para fora dos sucessivos quartos, perguntando-se como um compositor de letras românticas e poéticas e melodias tão marcantes poderia se assemelhar tanto a uma criatura monstruosa, egoísta, merecedora de pena, ódio ou indiferença. “A raiva é uma benção!”, em contrapartida, pensava Tchuco antes de se render a rapidíssimos momentos de culpa. Sempre e novamente e mais uma vez e “agora vai ser diferente”, prometia-se o astro, em muitas e muitas ocasiões.
“Fora daqui, suas vacas!”, repetia-se o quebra-quebra para desagrado daqueles que antes o amavam.
Medida de emergência, Tchuco foi orientado por seu suposto protetor, o empresário da banda, Vincent Casablancas, a se casar com a estrela em ascensão Ella Benarrivo. Durante a madrugada seguinte, o deus-músico conheceu a moça e apaixonou-se de modo categórico pela atriz cuja celebridade foi construída em novelas, filmes, comerciais de cartão de crédito, de banco, de perfume e de sabonete, ensaio sensual em revista de nudez de grande destaque e, sabe-se lá com qual lobby porque, oh, proteja-me, minha santa bocetinha amiga de todas as horas!, parecia piada quando se anunciou a vencedora, com a premiação de melhor atriz no festival cinematográfico mais conhecido do país. Má atriz? Não! De jeito nenhum! Ella Benarrivo precisa ainda evoluir bastante em sua carreira para ter o direito de ser considerada uma má atriz. Entretanto, aos amigos o astro do Rock se dizia entregue ao sentimento por Ella e rasgava-se em declarações de amor à beldade-mocinha de desejos ensimesmados embora ingênuos que ansiava pela chance de um dia interpretar nos palcos a Ofélia de Shakespeare e aquela do Molière, que como ela costuma afirmar “é um presente para uma atriz”, embora não se lembre do nome da personagem. Que casal! Ah, papparazo! Que casal!
Continua...
“É ele! É ele!”. Gritaria, uma histeria absurda, flashes fotográficos em exagero, correria, confusão, seguranças, barreiras policiais para deter mulheres desesperadas, meninas adolescentes sonhando em perder a virgindade, em dar umazinha ou em casar com o astro e homens invejosos que pudessem atentar contra a vida do ídolo maior da contemporaneidade, a porra toda do circo oficial do mundo do entretenimento musical para a massa.
“É ele! É ele!”. Poeta, conhecedor da alma humana, gênio, modelo estético da ousadia, pica doce! Tchuco, o vocalista carismático, quase messiânico, do maior fenômeno fonográfico dos últimos dez anos, a banda Sêmen THC.
“A minha música não é religião, porra! Parem de me seguir como idiotas!”, esperneava ele, enquanto chutava as fãs que se aproximavam, abrindo caminho.
“Me chuta, Tchuco! Me chuta!”, gritavam algumas.
“Pode bater! Pode bater!”.
“Me morde! Por favor, deixa a sua marca em mim!”.
“Você viu? Ele me empurrou! Ele me empurrou!”.
O carro conversível preto, 129 quilômetros por hora! Três anos representando o ilusório papel de entidade viva da cultura popular enferrujaram os mecanismos internos de vontade própria. Por essa razão, o machado.
“Não se preocupe, putão! O pessoal da gravadora tem tudo pronto. Não vamos ter que pensar em nada. Batalhamos pra caralho para chegar aqui. Agora, é a curtição!”, garantiu Horácio, o guitarrista bonitão, à época de empolgação, quando o sonho de tanto tempo enfim tomava alguma forma real.
“Vou comer todas as minha fãs”, delirava Canhoto, o complexado, repetição ambulante do clichê do baterista bobalhão, oculto dos holofotes pela sombra dos egos dos demais integrantes.
Sêmen THC! Tchuco, Horácio e Canhoto! Gozo tetrahidrocanabinol! Sêmen THC! Que fenômeno de público e de crítica! Que sonoridade! Que conexão com a platéia! Que estouro mercadológico supersônico! Mas Tchuco foi ainda mais longe! Ah, se foi! Puto, puto, puto! Tornou-se no imaginário social um deus da criatividade, do sentimento, da liberdade, uma espécie de Apolo eletrônico com voz encantadora. De tal modo era desejado e querido que passou a ter o direito de determinar normas de funcionamento e critérios de seleção da incrível e invejável série de orgias regadas a quitutes narcóticos, guloseimas psicodélicas e refrescos estimulantes que realizou com modelos, artistas e mulheres de todos os tipos. No entanto, o tempo não se deslumbrou com o mito da indústria e, quando o astro se acomodou no novo cotidiano libertino sem encontrar tanto quanto antes satisfação em sua megalomania, Cronos o levou ao labirinto onde se encontra agora.
O carro conversível preto, 137 quilômetros por hora! O sucesso é uma delícia, mas se torna vazio caso somente se reproduza em si mesmo, sem idéias e movimentos renovadores. “Maldita condição humana que me vicia com suas belezas, neuroses, dores e prazeres, prazeres, prazeres, o quê?, prazeres!”. Que prazer traz o machado.
Durante os shows, Tchuco passou a recorrer a um conhecido truque de vocalistas. “Canta por mim, platéia, que já não agüento mais gastar a minha vontade pela música nessa porcaria que antes me dizia tantas coisas mas que agora é apenas um bagaço de obra sonhada como algo grande”. Cansado da repetição de uma identidade de plástico, doidão, doido de pedra, roubado da própria consciência após receber o baque terrível e dilacerante, que não cicatriza mesmo, que se foda!, o buraco está lá e continua aberto, causado pela inesperada e violenta notícia da morte da mãe em um assalto, a quem propositalmente não via há dois anos, com quem rompera relações para se sentir um homem livre, pois a mulher que o carregou no útero por tanto tempo tentava controlá-lo, protegê-lo, mimá-lo a todo custo, enquanto ele queria ser uma espécie de porra-louca supra-humano sem necessidade de família, Tchuco se vitimizou no espetáculo da vontade própria. Pior para as mulheres que de modo repetitivo mergulhavam nas diferentes e renovadas camas onde o homem-mito se escondia.
“Fora daqui, suas vacas! A sua submissão interesseira me dá nojo! Deixem-me em paz!”.
As mulheres corriam nuas, abraçadas às roupas, e aterrorizadas para fora dos sucessivos quartos, perguntando-se como um compositor de letras românticas e poéticas e melodias tão marcantes poderia se assemelhar tanto a uma criatura monstruosa, egoísta, merecedora de pena, ódio ou indiferença. “A raiva é uma benção!”, em contrapartida, pensava Tchuco antes de se render a rapidíssimos momentos de culpa. Sempre e novamente e mais uma vez e “agora vai ser diferente”, prometia-se o astro, em muitas e muitas ocasiões.
“Fora daqui, suas vacas!”, repetia-se o quebra-quebra para desagrado daqueles que antes o amavam.
Medida de emergência, Tchuco foi orientado por seu suposto protetor, o empresário da banda, Vincent Casablancas, a se casar com a estrela em ascensão Ella Benarrivo. Durante a madrugada seguinte, o deus-músico conheceu a moça e apaixonou-se de modo categórico pela atriz cuja celebridade foi construída em novelas, filmes, comerciais de cartão de crédito, de banco, de perfume e de sabonete, ensaio sensual em revista de nudez de grande destaque e, sabe-se lá com qual lobby porque, oh, proteja-me, minha santa bocetinha amiga de todas as horas!, parecia piada quando se anunciou a vencedora, com a premiação de melhor atriz no festival cinematográfico mais conhecido do país. Má atriz? Não! De jeito nenhum! Ella Benarrivo precisa ainda evoluir bastante em sua carreira para ter o direito de ser considerada uma má atriz. Entretanto, aos amigos o astro do Rock se dizia entregue ao sentimento por Ella e rasgava-se em declarações de amor à beldade-mocinha de desejos ensimesmados embora ingênuos que ansiava pela chance de um dia interpretar nos palcos a Ofélia de Shakespeare e aquela do Molière, que como ela costuma afirmar “é um presente para uma atriz”, embora não se lembre do nome da personagem. Que casal! Ah, papparazo! Que casal!
Continua...
5 comentários:
aha, até que enfim um post novo! detalhe para os nomes, parabéns! eheheheh
será que Tchuco vai morrer de tanto vazio? Que pessoa perdidinha...
quero a continuação! beijocas
Em breve, a parte 2 de Matadouro das virtudes.
Visitem também
http://donadidi.blogspot.com/
beijos, Ruffles Leema.
De que adianta tanto sucesso se a pessoa não segura a onda? Só quero ver o que você vai aprontar, Rafa. Beijão, Alice.
Rock'n'roll! Maneiro!
Segue em frente aê, irmão!
Abraço, Gérson.
Ótimo título. Vamos em frente ....
Postar um comentário