Parte 2 do conto Matadouro das virtudes

De Rafa Lima

No capítulo anterior

... Entretanto, aos amigos o astro do Rock se dizia entregue ao sentimento por Ella e rasgava-se em declarações de amor à beldade-mocinha de desejos ensimesmados embora ingênuos que ansiava pela chance de um dia interpretar nos palcos a Ofélia de Shakespeare e aquela do Molière, que como ela costuma afirmar “é um presente para uma atriz”, embora não se lembre do nome da personagem. Que casal! Ah, papparazo! Que casal!

Continua...

Parte 2

Assim, casaram-se logo depois em cerimônia restrita a amigos, causando rebuliço no setor da imprensa voltado ao sensacionalismo, e viveram semanas de paixão cinematográfica que não tardou em se esfacelar. Assim, Ella conheceu o egomonstro devorador de sutilezas cotidianas e Tchuco descobriu a princesa mofada. De madrugadas às manhãs seguintes perdidas, cozinhavam-se em convenções de comportamento padrão. Até que em uma noite de calor em que Ella Benarrivo cavalgava o cacete mediano e grosso de Tchuco com prazer repetitivo e quase já dispensável, afinal, ela não considerava o ato sexual tão empolgante, “parece ginástica sem roupa e com lubrificação”, refletia a pequena múmia, o marido começou a pensar em comida durante o coito e tomado pela súbita vontade de devorar um sanduíche de filé de carne bovina com uma rodela de abacaxi arremessou a esposa para fora da cama, derrubando-a ao chão com brutalidade, levantou-se, vestiu-se diante do olhar de estupefação da mulher rejeitada e retirou-se sem dizer nada.
“Aonde você vai, seu estúpido?”, gritou ela sem conseguir uma resposta, irritando-se pois não foi capaz de agir naquele momento como Ella, que em momentos menos reluzentes teria partido para esbofetear a cara do escroto diante de tamanhos desrespeito e decepção.
Três raquíticos meses de ilusão! O matrimônio entre semelhantes personalidades do mundo do entretenimento durou singelos três meses e chegou ao fim pela violência causada pela falta que faz um sanduíche de filé de carne bovina com uma rodela de abacaxi! Não houve jeito! Tiveram que conhecer novos amigos, os advogados.
“Ele é um maníaco!”, declarou posteriormente Ella Benarrivo do alto de sua loirice pernóstica e embutida de um princípio silencioso de fascismo, embora sem maldade, só com arrogância, em entrevista exclusiva a um socialmente respeitado programa de fofocas que entretém donas de casa, garotas de programa, desempregados e escritores durante a tarde. “Depois de uma hora ao meu lado, onde quer que a gente estivesse, Tchuco me expulsava, mesmo quando nos encontrávamos em meu apartamento! No meu apartamento! Dá para acreditar?”.
“Que absurdo!”, indignou-se a sempre-sempre nobilíssima apresentadora do programa. “Não é o primeiro caso de violência em que Tchuco se envolve! Depois de todo o carinho que as meninas desse país deram a ele. Sem as mulheres, esse rapaz não seria ninguém! Ele precisa urgentemente de tratamento psicológico!”.
A banda entrou em crise por causa do escândalo.
“Vá se foder, Vincent! Os seus conselhos não dão mais certo! Aliás, todos vocês estão querendo acabar com o que eu conquistei, porque eu sempre fui maior! Fora da minha vida, seus parasitas!”, explodiu Tchuco.
“O que é isso, putão? Somos amigos há tanto tempo!”, contemporizou Horácio.
“É isso mesmo. Calma, cara. Nós amamos você”, completou Canhoto.
“Hipócritas! Parasitas! Só pensam em foder menininhas e em ficar alucinados! Eu sou a banda! Estou falando de grandeza, seus animais! Grandeza universal! Eterna! Histórica! Por causa da insegurança e falta de visão de vocês, estou caindo! Estão me puxando para baixo”.
“Vá tomar no cu, Tchuco!”, reagiu Horácio com energia. “Está delirando!”.
“É isso mesmo. Calma, cara. Nós amamos você”, repetiu Canhoto. “Caraca, estou muito louco!”.
“A contagem regressiva está chegando ao fim, seus tolos!”, de repente, interveio Vincent Casablancas, o empresário. “Desse jeito, vocês não duram nem mais uma semana. Vão viver para sempre na sombra do que um dia foram!”.
{O que é o fim?}.
Tchuco desapareceu por dias. Shows foram cancelados. Fuga número vinte e dois para piano, guitarra e quarteto de violinos. Trancou-se na impossibilidade de encontrar alguém que sentisse o mesmo medo mórbido que ele e deixou o mundo do lado de fora, ligação direta à solidificação interior de incomum patologia.
“É ele! É ele! É o Tchuco!”. Disfarce revelado! Mais gritos, choros, que berreiro, nova correria, mais um pandemônio!
“Chega dessa perseguição, suas loucas carentes! Vão procurar homens reais! Eu não existo para vocês. Sou apenas uma idéia!”.
A paixão de outrora pela busca do ideal de mulher, a bocetinha pensante, sonhadora e pervertida, fora atropelada por um trem cuja carga transportava caixas com raiva, ceticismo e cansaço. Daí em diante, o processo de corrosão ganhou velocidade até que Tchuco se viu diante do próprio reflexo no lago onde se afogam sonhos e vislumbrou uma entidade humana cuja idealização sentimental conhecida como alma fora extirpada. Tchuco, desalmado, Tchuco, fodido porque longe demais de qualquer outro ser, Tchuco, privado da grandeza da simplicidade, Tchuco, privada de toda essa merda de controle do comportamento social através da alegria artificial gerada por uma banda de dimensões megalomaníacas, Tchuco, doente, muito doente da cabeça, Tchuco, Deus!, Tchuco, deus!, Tchuco?
“Que porra de doença é essa, seu psicólogo filho da puta? Não faltava inventar mais nada? Sabe quem eu sou? Esse é mesmo o seu diagnóstico?”.

Continua na matadora parte final...

2 comentários:

Anônimo disse...

Na semana que vem, ginecofobia e o machado, na parte final do conto hardcore, beijos e voltem sempre.

Unknown disse...

acho q tchuco precisa ir ao cervantes..