Parte 5 de 5 do conto Radiohead na Portela (Psicotrópicos nos trópicos)

De Rafa Lima

“Eu seria capaz de cometer parricídio para trocar de lugar com você na sociedade inglesa”.
“Não entendi direito. Traduz, amigo”.
“Eu disse que estou planejando me mudar para a Inglaterra”.
“Está mesmo?”.
“De fato”.
“Está querendo bancar o dominador?”.
“Cale a boca, Stanley!”.
“Você deveria valorizar mais as maravilhas da sua cidade”.
Três segundos de escárnio silencioso.
“Você precisa aprimorar os seus gostos”.
“O Rio de Janeiro é maravilhoso!”.
“O Rio de Janeiro é caótico!”.
“Paraíso!”.
“Prisão!”.
“Novo mundo libertador!”.
“Retrocesso histórico!”.
Num instante, são distraídos pelo grito de mais um vendedor de mate que passa carregando galões cheios da bebida e de gelo chacoalhante sobre os ombros, chonque, chonque, chonque. “De que servem o sol, a areia, o mar, os corpos, os olhares, o movimento se não se transformarem em liberdade?”. Liberdade, essa putinha com marquinha de biquini pela qual tantos povos se acostumaram a matar e morrer! “So exciting, so exciting!”.
“Caralhow!”, comemora o estrangeiro marijuanado em transbordamento, arranhando um palavrão em português. “Que lugar! Essa praia, essa gente, essa efervescência, tanta vida, tanta vida, oh, meu deus, John, veja aquela bunda! E aquela! E aquela!”.
“Veio fazer turismo sexual, meu amigo?”.
Stanley ri com ironia.
“O que é isso, amigo? Não é possível que logo você não entenda o que sinto! Tanta vida, tanto movimento, tanta alegria ao nosso redor, e você, Jo-on, fica com cara de guarda noturno!”.
“Vá se foder, Stanley! Em primeiro lugar, o meu nome não é Jo-on, é João! Fale direito se quiser ser respeitado pelos nativos. Ão e não on! Continue a me chamar de John que fica mais fácil para você. Em segundo, parece que pegou sol demais de novo. Quero ver se sentir tão bem amanhã, quando estiver parecendo um camarão como aconteceu nos primeiros dias!”.
“Nada disso. A sua amiga Tati passou protetor solar em mim”.
Hesitação.
“Verdade?”.
“Quem sabe?”.
O silêncio gostaria de beber um mate.
“Amanhã, eu não venho à praia”, sentencia John.
“Eu venho”, declara Stanley.
O londrino quer sentir como o carioca; o carioca quer ter os privilégios do londrino. O que vale mais? Trezentos ingleses assaltados, coagidos e humilhados no Rio de Janeiro ou um estudante brasileiro morto no metrô de Londres pela polícia inglesa cujo crime tentou encobrir?
We don’t forget!
O brasileiro não tem memória?

.....Fim

...Cinemateca do Rafa (8)

Para quem se amarra em filmes de animação para gente grande
Se você cresceu com a imagem do futuro apocalíptico de Akira na cabeça, assistiu a anos de filminhos pipocas da Disney, Pixar e afins, surpreendeu-se com as criações de Richard Linklater Waking life e A scanner darkly (O homem duplo) ou encantou-se com A viagem de Chihiro, indico duas produções mais recentes que valem a pena, Persépolis, já nas melhores locadoras, desenhito noir sobre o crescimento de uma menina de mente ocidentalizada sob a opressão social de diferentes épocas no Irã, e Valsa com Bashir, ainda nos cinemas, a reconstrução de um massacre no Líbano, narrada vinte anos depois a partir do ponto de vista de soldados israelenses (reais transformados em desenho), aqui se encontram lampejos de como a memória conduz a caminhos obscuros e a processos seletivos, animação para gente grande mesmo.

O sentimento não pode parar!

Veja filmes do Buster Keaton, leia Phillip Roth, ouça Chemical Brothers, faça sexo com cuidados básicos, volte sempre ao Fantástico mundo do Rafa!

Anuncie aqui e tenha bons frutos no amor! (Ou aprenda fórmulas de ironia)

... Enquanto isso em Pessoinhas

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7 comentários:

Anônimo disse...

Já estávamos sentindo falta.

Ingrid disse...

Bom demais, dessa vez tardou mesmo assim surpreendente... que ótima provocação! Os filmes de animação também são boas referências! Beijo gostoso, Ingrid

Alice disse...

Aêê, parabéns pelos texto, é muito bom ler você Rafael. Quando teremos mais novidades? Beijo beijo

Uma menina bonita disse...

Persépolis é bom demais, gostoso! O da valsa é de guerra, né? Vou ver, beijo.

Fernando disse...

Valsa com Bashir é bom para caralho! Valeu a indicação!

Mari disse...

Você não se cansa de inventar maneiras de surpreender, menino. Cadê a peça? Beijo.

Alice disse...

saudades, quer mais...