De Rafa Lima
Mais do purgatório (Final)
“Um brinde, escritora!”.
A garrafa de espumante trazida pelo visitante em mãos, a rolha voa, Vicky Pierrot celebra, sonha, flutua, enquanto ele tem o cuidado de encher as taças, o som do cristal em contato com o seu semelhante, bebem, salve o prazer, sempre!, sempre!, na verdade, ela saboreia, engole, ele simula, nem molha os lábios, pouco a pouco, o efeito, fraqueza, confusão, surpresa, tristeza, bem lentamente, o grande cágado cagando o fim, “o que está acontecendo?”.
“O que está acontecendo?”, “Vicky Pierrot, agora, você vai ser eterna!”, ela internaliza o ódio ao momento, decifra, tudo tão simples, “o quê?”, “Vicky Pierrot, agora, você vai ser eterna, não compreende?”, “o quê?, eu sou uma ferramenta?”, angústia mais pesada do que o ar, “não, amor”, ele a olha com ternura, “você é o órgão principal, o coração que agora precisa parar de bater para projetarmos a nossa causa muito além na linha do tempo”, uma lágrima de chuva ácida escorre sobre o rosto que recebe a tormenta inexorável da ação-sem-volta, “lá se vai a idiota da esperança”, “não chore”, cogumelo atômico emocional, “para que tudo isso?, porra!”, a leoa ruge, ele aguarda que retorne à forma humana, vem, curiosidade, vem, chicote!, “não sabe, anjo?”, “é lógico que não!”, “com todo o respeito, agora que já criou o que há de melhor, você vale muito mais para a nossa causa depois de morta, não temos mais escolha, o público prefere a necrofilia, é um vício natural do ser humano, saborear a perda ao extremo, seremos para sempre lembrados, você, Vicky Pierrot, escrita para sempre na história da arte!, todos nós a admiramos por se oferecer por inteiro até as últimas conseqüências”, “não é possível!, é uma brutalidade, não concordo mesmo com isso, que primitivo, simiesco, há tanta gente boa que sabe dar valor ao que está vivo”, “são poucos, o nosso objetivo é o mundo”, “eu não quero morrer... por favor”, “ninguém quer, você é linda, muito linda”, “você é louco”, “não diga isso, sou apenas o machado”, “de Assis?”.
Ela ri, o último riso, “como é bom!, amo a vida!, amo, amo, amo!”, ele retribui, um micro-sorriso, “adoraria que ela continuasse viva, mas a causa é o bem maior”, desesperos reprimidos com a agilidade de costume, o silêncio adora cheiro de livro novo, desconfia de que seja o resíduo final do espírito da madeira transformada em papel.
“Tenho tanto a escrever ainda”, “já fez o bastante, amor, genialmente”.
O baque interno, ela cai, “eu fui muito feliz”, vê uma parede, sente falta dela, a língua procura os lábios como se buscasse um derradeiro prazer, alimentar-se da impressão de vida, sente medo, quer voltar atrás, muito atrás, quer se livrar do talento de decodificar o comportamento dos meninos e das meninas, tenta cantarolar, a felicidade vem junto?, “vem comigo, não me abandona”, engasga, “o meu nome é Vitória”, tenta falar com o mundo, “o meu nome é Vitória”, a garganta se fecha, “ar!, ar!, por favor, ar!”, a escuridão da eternidade abocanha a consciência, o silêncio do silêncio do silêncio do silêncio ad eternum. O assassino se ajoelha ao lado do corpo santo sem vida, reverência, solenidade, a certeza da criação de nova idéia-deusa, mas, só para garantir, guarda-lhe a alma no bolso.
“Obrigado, Vicky Pierrot!, os inventores do próximo futuro agradecem”.
Morrer pode ser simples e indolor, nascer é que é um parto.
.... Enquanto isso em Pessoinhas
Mais do purgatório (Final)
“Um brinde, escritora!”.
A garrafa de espumante trazida pelo visitante em mãos, a rolha voa, Vicky Pierrot celebra, sonha, flutua, enquanto ele tem o cuidado de encher as taças, o som do cristal em contato com o seu semelhante, bebem, salve o prazer, sempre!, sempre!, na verdade, ela saboreia, engole, ele simula, nem molha os lábios, pouco a pouco, o efeito, fraqueza, confusão, surpresa, tristeza, bem lentamente, o grande cágado cagando o fim, “o que está acontecendo?”.
“O que está acontecendo?”, “Vicky Pierrot, agora, você vai ser eterna!”, ela internaliza o ódio ao momento, decifra, tudo tão simples, “o quê?”, “Vicky Pierrot, agora, você vai ser eterna, não compreende?”, “o quê?, eu sou uma ferramenta?”, angústia mais pesada do que o ar, “não, amor”, ele a olha com ternura, “você é o órgão principal, o coração que agora precisa parar de bater para projetarmos a nossa causa muito além na linha do tempo”, uma lágrima de chuva ácida escorre sobre o rosto que recebe a tormenta inexorável da ação-sem-volta, “lá se vai a idiota da esperança”, “não chore”, cogumelo atômico emocional, “para que tudo isso?, porra!”, a leoa ruge, ele aguarda que retorne à forma humana, vem, curiosidade, vem, chicote!, “não sabe, anjo?”, “é lógico que não!”, “com todo o respeito, agora que já criou o que há de melhor, você vale muito mais para a nossa causa depois de morta, não temos mais escolha, o público prefere a necrofilia, é um vício natural do ser humano, saborear a perda ao extremo, seremos para sempre lembrados, você, Vicky Pierrot, escrita para sempre na história da arte!, todos nós a admiramos por se oferecer por inteiro até as últimas conseqüências”, “não é possível!, é uma brutalidade, não concordo mesmo com isso, que primitivo, simiesco, há tanta gente boa que sabe dar valor ao que está vivo”, “são poucos, o nosso objetivo é o mundo”, “eu não quero morrer... por favor”, “ninguém quer, você é linda, muito linda”, “você é louco”, “não diga isso, sou apenas o machado”, “de Assis?”.
Ela ri, o último riso, “como é bom!, amo a vida!, amo, amo, amo!”, ele retribui, um micro-sorriso, “adoraria que ela continuasse viva, mas a causa é o bem maior”, desesperos reprimidos com a agilidade de costume, o silêncio adora cheiro de livro novo, desconfia de que seja o resíduo final do espírito da madeira transformada em papel.
“Tenho tanto a escrever ainda”, “já fez o bastante, amor, genialmente”.
O baque interno, ela cai, “eu fui muito feliz”, vê uma parede, sente falta dela, a língua procura os lábios como se buscasse um derradeiro prazer, alimentar-se da impressão de vida, sente medo, quer voltar atrás, muito atrás, quer se livrar do talento de decodificar o comportamento dos meninos e das meninas, tenta cantarolar, a felicidade vem junto?, “vem comigo, não me abandona”, engasga, “o meu nome é Vitória”, tenta falar com o mundo, “o meu nome é Vitória”, a garganta se fecha, “ar!, ar!, por favor, ar!”, a escuridão da eternidade abocanha a consciência, o silêncio do silêncio do silêncio do silêncio ad eternum. O assassino se ajoelha ao lado do corpo santo sem vida, reverência, solenidade, a certeza da criação de nova idéia-deusa, mas, só para garantir, guarda-lhe a alma no bolso.
“Obrigado, Vicky Pierrot!, os inventores do próximo futuro agradecem”.
Morrer pode ser simples e indolor, nascer é que é um parto.
.... Nota do Rafa ....
Dedico este conto à Diana Regina de Carvalho Damasceno, vó, que me acostumou ao carinho, mas também à falta (já foi flertar com o além), e que, quando eu era menino, quase tão bobalhão quanto hoje, acreditou que eu podia andar de bicicleta.
.... Enquanto isso em Pessoinhas
10 comentários:
revelações no final como um bom suspense. existe mesmo uma magia negra nessa coisa de talentos que morrem. acho que é por isso que a amy winehouse ganha cada vez mais adeptos... vide tb heath ledger e seu joker...
gostei muito! tchuco parou de matar vaquinhas pra matar meninas?! o link surpreende e vira um gancho ótimo.
e as indicações cinematográficas?
Foda, Rafael, foda!
"o público prefere a necrofilia, é um vício natural do ser humano, saborear a perda ao extremo", gostei da idéia de destacar nos comentários a parte preferida. Cara, você quase me fez chorar com a dedicatória. Um abraço.
obrigada pelo texto mais bonito e bem cuidado que li nos últimos tempos!
Tb me emocionei com a dedicatória! Bj.
ainda acredita em namoro?
palmas, palmas, palmas!
Muuuuito bom!
speechless, caro Rafael!
Fico impressionada com a sua capacidade criativa sem deixar de ser produtiva, espero poder lê-lo nas livrarias de novo, um beijo!
muito bom! morrer é realmente fácil, nascer ou renascer realmente é muito mais complicado...
bela dedicatória pra vovó! nhom!
beijocas, qual vai ser o próximo???
Bota masi cinemateca ai pra gente!
Matador! Porrada na moleira da mesmice!
Amigos, o Fantástico Mundo do Rafa é um sucesso de procura, graças a vocês (principalmente aqueles que sequer conheço). Em 2009, as histórias fora do comum estarão de volta, assim como o quadrinho bizarro sarcástico Pessoinhas, as dicas de cinema da Cinemateca do Rafa, os comentários sacanas de futebol do Futebolé e muito mais, logo de cara no início de janeiro já ataco com hardcore social, desejo um ano cheio de boas idéias e grandes realizações, abraços e beijos, voltem logo, Rafa!
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